RICARDO AMARAL
Em 1980, após a separação de meus pais, movido pela contrariedade e cansado da versão nerd de até então, virei hippie. Almofadinha, mas o som mudou completamente. Depois de minha ida ao Festival de Águas Claras, me encantei com o espírito do love power e com as músicas alternativas. Raul e Egberto Gismonte viraram ídolos. Deixei o cabelo crescer e encarei produtos naturais de certa criminalidade.
Durante minha reclusão para estudos do vestibular ouvi no rádio Helpeless. Eu conhecia aquela voz… Era a mesma de My my hey hey… Rock and roll is here to stay.
Depois de já matriculado na Católica, passei pelo velho Tremendão e perguntei: – “Em que disco do Neil Young está Helpeless”?
Incauto… Levei um disco com uma capa que parecia um daqueles livros do vovô João, com a capa de couro e detalhes em dourado.
Déjà Vu. Aquela sensação de já ter sentido aquela canção. Aquelas canções. Estava eu apresentado àquela banda que eu pulava no disco do Woodstock. Uma banda só de sobrenomes, como uma equipe de cientistas assinando uma experiência nova, ou uma tripulação de uma Apolo da minha infância: Crosby, Still, Nash and Young.
Em minha opinião um dos mais importantes discos do que representou a mistura hippie do folk com o bom e velho rock and roll. Assim como Paul o fizera em Rocky Racoon (Álbum Branco, 1968) , CSNY resumiram todo o espírito dos 1960 vivido na América, em meio à barbaridade do Vietnã; a transformação cultural Hair e a fantasmagórica fabrica de alienados criada pela maconha e o LSD.
Musicalmente Déjà Vu é uma maravilha de arranjos e poesia. Simplesmente incomparável às obras de Hendrix e Joplin, por exemplo, cujo o extrato do talento de ambos tem que ser exprimido por entre fraquíssimos músicos acompanhantes e um arsenal de covers. E melhor, sim, do que qualquer disco de Dylan, se levarmos em conta que o literato possui uma voz quase insuportável.
Mais uma vez consigno que esta humilde coluna está longe de ser um álbum review, mas sim uma análise da experiência que cada um desses sons representou e representa para thousands de caras como eu.
Teach Your Children é uma valsinha tipicamente caipira, que dá pra tocar tranquilo como um baião no violão (toquei muito). A poesia é tipicamente Dyliana. Uma crítica ao sistema de ensino e à educação estadunidenses da década que passara.
Our House é um encanto poético, com um lirismo romântico tipicamente hippongo. Eu acendo a lareira enquanto você coloca flores no vaso que comprou…hoje. Sensacional. Você quase consegue se ver. E ver a casinha. Nossa casa é uma casa muito, muito, muito legal. Com dois gatos no quintal…
Helpless (cuja tradução inexiste no sentido linguístico como substantivo), canção responsável por este momento, é um George Harrison típico. Melancólica e profunda; triste e desesperançosa. Em fim, helpless…
Déjà Vu retoma o tradicionalismo do velho folk americano, com cada um dos quatro compositores e intérpretes trazendo suas mágoas, alegrias, ressentimentos e desespero pessoais, criando uma relíquia musical americana. A capa, representando a cor sépia das Bíblias de Gideão; a cadeira de balanço, o cão, espingarda; tudo faz lembrar algo. Tudo é Déjà Vu.
Como um álbum dos Beatles, Déjà Vu traz a magia da personalidade de cada um dos integrantes deste quarteto mágico escancarada em cada faixa. É um disco para ler; tomar um vinho; namorar; pegar uma estrada…
É um elixir contra a mesmice e a monofonia. É um livro de estórias assinado por quatro magos.
