Por Bia Viana e Natália Cuqui
A primeira noite da mostra competitiva do Santos Film Fest contou com apresentação de curtas e longa-metragens nos Cine Roxy 4 e 5. Nós conferimos as quatro produções apresentadas ao públicos e trazemos nossas impressões sobre elas.
Admirável Mundo Destro
Na primeira sessão da mostra competitiva, das 19h30, o curta Admirável Mundo Destro (2018), dirigido por Luiza Leal, leva para as telonas uma pauta interessante. Questionando o planejamento de um mundo projetado para os destros, o documentário aborda as dificuldades vividas pela minoria canhota.
Contando com entrevistas nacionais e internacionais, o filme ilustra alguns dos desafios vivenciados no cotidiano dos canhotos. Assim, os questionamento se estendem à relação feita na oposição entre esquerda e direita, que comumente associa a esquerda ao lado mal da humanidade.
A forma de escrita, o modo de usar uma tesoura, o desconforto em cadeiras escolares projetadas para destros e a troca de bases nas lutas marciais são alguns dos detalhes sutis que prendem nosso olhar. Por meio de entrevistas com pessoas canhotas, vivenciamos algumas dessas situações.
Selecionado em diversos festivais pelo Brasil, o filme de Maceió roda o país trazendo conscientização sobre a realidade canhota. A reflexão proposta é intrigante, trazendo um questionamento que pode estar invisível para muitos. Mas que possui igual necessidade de discussão e defesa.
A Roda da Vida
Na sequência da mostra competitiva, veio o longa A Roda da Vida (2018), de William Alves e Zefel Coff. A produção traz os contrastes de duas vidas distintas unidas por coincidências bizarras.
A narrativa se desenrola acompanhando a vida de dois homens com o mesmo nome, mas que vivem em situações opostas. Enquanto um é o empresário milionário, porém miserável em espírito, o outro, catador de papelão que possui enorme sensibilidade e admira as minúcias da vida.
Seguindo paralelamente, ambas as histórias atravessam as relações sociais, pessoais e espirituais. De forma não linear, o roteiro entrelaça os destinos de ambos os homens por meio de flashbacks e epifanias.
O filme, em síntese, trata de insatisfação, solidão, desapego e busca pela felicidade. Mesmo com uma construção deveras confusa, que mescla linguagens e planos de forma proposital, o objetivo é desconstruir o real e a ilusão nas jornadas de ambos personagens.
Por exemplo, enquanto o catador conta com mais relações, o empresário é solitário. E este quando está cercado de outras pessoas, está sempre em silêncio, com olhar vago.
“O mundo gira”, diz o catador em um dos diálogos. Com mais tempo de tela, podemos vivenciar essa afirmação com maior envolvimento. Para o empresário, a história acaba mais superficial, com um senso de quero mais que acende mais perguntas do que respostas. Complexo, o longa exige boas discussões das várias interpretações possíveis.
The Pink Panther Boite
Na sessão das 22h da mostra competitiva, o documentário The Pink Panther Boite trouxe a história da extinta casa de shows santista. Dirigido por Kauê Nunes Melo, a produção de 23 minutos conta com entrevistas com grandes estrelas do clube noturno, palco de espetáculos musicais a shows eróticos.
Curiosamente, a casa era a única em frente à praia, enquanto os outros clubes eram todos no centro de Santos. A Pink Panther contribuiu para o surgimento de várias estrelas trans que fizeram muito sucesso no nosso país. Por exemplo, Gretta Star, que participa do curta, e Roberta Close.
O curta usa algumas fotos e vídeos de arquivo da boate, além de legendar nomes, datas e locais com a fonte da nossa querida Pantera Cor de Rosa. Além da já citada Gretta Star, entre os entrevistados estão alguns frequentadores. E de acordo com eles, nunca houve nenhum outro lugar como a Pink Panther em Santos.
Se nos anos 60 ela era um ambiente em que famílias iam jantar, a partir dos anos 70 ela estourou como casa de entretenimento adulto. E desta maneira, passou a ser frequentado por todo tipo de pessoa: casais, solteiros, grupos de amigos, celebridades e jornalistas.
Ou seja, das pessoas mais simples e também da mais alta sociedade santista. As atendentes eram poliglotas e o ambiente era finamente decorado, dando um ar de glamour incomparável ao local.
O fim trágico da casa veio com o estouro do HIV em Santos, que foi considerada a cidade com maior número de casos no país. Tânya Starr, uma das responsáveis por comendar os espetáculos, inclusive faleceu após contrair a doença. O clube noturno fechou nos anos 90, mas o curta ainda traz ares de nostalgia mesmo para quem não viveu nos tempos de Pink.
Rogéria – Senhor Astolfo Barroso Pinto
Já o longa escolhido para a mostra competitiva foi Rogéria – Senhor Astolfo Barroso Pinto, de 2018. Dirigido por Pedro Gui, o documentário conta a vida e a trajetória artística da popular vedete brasileira Rogéria.
O longa mescla algumas atuações teatrais sobre as etapas de sua vida e depoimentos de artistas brasileiros. Entre eles, Bety Faria, Jô Soares, Bibi Ferreira e Aguinaldo Silva.
Atual, provocante e sensível, o longa trata de temas bastante abordados no mundo de hoje. Por exemplo, as questões de gênero, preconceito e afirmação de direitos no Brasil.
O diretor apresenta Rogéria revisitando lugares por onde passou no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo que exibe depoimentos da própria vedete e seus familiares. Repleto de arquivos de fotos e vídeos, o longa é de uma energia contagiante. Com certeza faz qualquer pessoa que assista se divertir e se emocionar.