A cantora Maria Sil lançou o EP A Carne, A Língua, O Vírus, no último sábado (14), no Sesc Santos. Após o show, ela conversou com o Blog n’ Roll sobre a gravação desse trabalho, entre outros assuntos. Confira abaixo.
Como surgiu a ideia do EP A Carne, A Língua, O Vírus?
O EP é resultado de um amadurecimento. Gravei Húmus em 2017. Arte independente tem esse ritmo, demorou dois anos para ficar pronto. Silêncio, eu queria muito gravar ela, já tinha a primeira parte escrita. Mas como sou bem do mundo dos sentimentos, senti que não era a hora de gravar ainda.
A segunda escrevi no ano passado na Silva Jardim. Se eu tivesse gravado no primeiro EP não teria uma parte que considero muito importante.
E Manchete de Jornal se deu muito por já ser um fragmento dos meus shows. Eu falava algumas manchetes e achei isso interessante de gravar.
E também, com esse trabalho, quis deixar mais posicionado o que penso sobre HIV e aids. Quando lancei Olhos Amarelos…. é muito fácil para tentar contrapor essa narrativa demonizadora da mídia sobre a aids, cair no oposto do heroísmo [de ver as pessoas com HIV como heroínas]. E eu não sou heroína. Como se tivesse que ser uma pessoa muito melhor. Eu acho que devia um: ah, vocês não vão distorcer o que tô querendo dizer.
E qual é o papel da mídia na difusão da informação sobre a aids?
Surge uma epidemia, ela é biológica, mas deve ser entendida e enfrentada do ponto de vista social. Só que ela é analisada, veiculada, noticiada do ponto de vista moral durante 15 anos.
Isso proporcionou um atraso. Foi um atraso para a liberdade da mulher, para os direitos da população LGBT. Para a quebra dos padrões monogâmicos de relacionamentos. Meu amor, isso era dos anos 1960, 1970.
O papel da mídia é muito forte e as notícias sobre aids eram moralizadas. Agora que estamos tentando reverter isso.
O EP é visual, qual é a importância desse visual nas composições?
Tenho alguma intimidade com isso. Trabalhos visuais, acho que dependendo de como você constrói, dá uma diferença considerável do clipe normal. É que ele acrescenta camadas. Em silêncio o vídeo acrescenta camadas.
Me fala sobre o processo de composição do trecho de Silêncio: “o caminho se faça se não abro com faca”
Ele tem vários significados. Eu fui criada um pouco em área rural. E eu tenho muita memória de ir chupar cana com minha mãe, meus primos…. Minha mãe descendo o facão na cana. Eu tenho essas imagens desse desbravar com faca literalmente. Que é metafórica também, no sentido de você ser um corpo cortante quando se está fora da binaridade, da identidade de gênero, da branquitude. Pode dizer muitas coisas.
E o figurino de Manchetes de Jornal com vermelho? É para lembrar sangue?
Sim, exatamente. Essa foi uma parceria com a Esamc e queria estar realmente vestida por essas manchetes. E também tem uma referência da música 20 anos Blue, gravada pela Elis Regina. Quando vejo essa imagem do jornal e eu com vermelho, que pode ser sangue, me lembra muito essa música.
No videoclipe do EP aparece o Porto de Santos. Por que?
Eu penso muito que um artista…. é legal colocar o trabalho em camadas. Até para trazer o que está subjetivo na música. Utilizar as imagens para mostrar o que está intrínseco.
No trecho de Silêncio, eu falo que “a entrada da cidade transborda”. É sobre Nossa Senhora, em Santos. Onde tem muita enchente, a maior favela de palafita do mundo. E que ao mesmo tempo é caminho de escoar toda a nossa riqueza. E tem o maior porto da América Latina. Mas a gente não vê isso traduzido na Cidade.
Santos era pra ser um município de alta tecnologia. Nem nas áreas mais desenvolvidas, quem dirá na periferia.
E também Santos já foi capital mundial da aids, por causa do Porto, aqui teve muitos casos e por alguns anos ela ganhou esse título. Foi um índice alarmante. E foi um dos primeiros a pensar em políticas públicas, em um serviço especializado para a aids, que depois vai para o Governo Federal. Então é tudo isso.
Quando começou sua paixão pela música e o início da sua carreira?
Acho que estou no início da carreira, porque são três anos. Sempre gostei de fazer letra e ouvir música. Eu era uma adolescente que ouvia muitos discos, mas não cogitava cantar. Prestei a prova para o Conservatório Municipal de Cubatão – Ivanildo Rebouças da Silva, que tem o trabalho muito importante de musicalizar adultos.
Entrei com 24 anos [atualmente, tem 28]. Lá, aprendi tocar piano do zero, e me interessei por transformar minhas letras em melodias. É importante ressaltar o trabalho do Conservatório porque a maioria dos programas são para o público infantil e jovem. A maioria dos conservatórios é para 21 anos. Lá não.