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Blog n' Roll na AT - Lucas Krempel

Blog n’ Roll na A Tribuna #5 – Heavy Metal coloca Santos na rota dos shows

LONDON CALLING*

*London Calling, que pode ser traduzido literalmente como “Londres chama” e que dá nome à famosa música do grupo inglês The Clash, é a melhor frase para explicar a influência que a cidade de Santos recebeu da Inglaterra, um dos lugares mais pulsantes da década de 1980. Fãs de música de todo o Brasil venderiam rins ou fígados para estar lá quando a banda The Cure fez seus primeiros shows nos históricos bares da cidade.

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Afinal, Londres era oficialmente a capital do rock.

Titãs na fase do Iê, Iê na Heavy Metal – Crédito: Acervo Pessoal / Toninho Campos

Graças a uma experiência de três meses em Londres de um empresário nem um pouco convencional, a cidade de Santos pôde vivenciar um dos momentos mais importantes do rock internacional da década de 1980.

Foi através do santista Toninho Campos que o litoral vivenciou o cenário underground londrino na época do pós-punk. Bandas como Devo, Siouxsie and the Banshees e The Cure se tornaram parte do repertório dos djs da danceteria  Heavy Metal, criada por Toninho no final de 1982, na Avenida Vicente de Carvalho, 18, no Boqueirão.

Numa época anterior à internet, com poucos programas de TV ou boas revistas especializadas em música, e com a alta cotação do dólar dificultando a importação, era quase impossível se manter informado das modas gringas. Com o rock era a mesma coisa.

Apenas felizardos com muito dinheiro eram as fontes para os fissurados por novidades musicais. E nisso o empresário santista foi único. Durante três anos fez da Heavy Metal, o vale sagrado dos roqueiros de Santos.

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Decoração
Criando paredes pretas, os arquitetos Márcia Davis e Paulo Perez se preocuparam em eliminar detalhes, como desenhos e espelhos, coisas normais nas discotecas. Segundo Campos, as pessoas eram mais importantes do que a casa. “O pessoal tinha que ir lá e ficar de olho nas bandas, nas meninas e não nas paredes”.

Márcia conta que a ideia “era criar um espaço que permitisse a apresentação de bandas ao vivo e que ao mesmo tempo funcionasse como uma “discoteca” e fliperama”.

Além das bandas, o principal atrativo da casa era o telão, que ficou famoso por exibir VHS das principais bandas do mundo, além de matinês com filmes de surf. Vale lembrar que antes da Heavy Metal, a casa era ocupada pelo Cinema 1.

Telão
Hoje, quase todos os bares da avenida da praia possuem um telão nas suas imediações. Nos anos 1980, no entanto, a situação era bem diferente. Para realizar seu sonho de consumo, Campos ralou. Precisou viajar até os Estados Unidos para comprar um produto com muitos recursos.

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Após realizar o sonho, Campos teve uma amarga surpresa. O técnico, que estava fazendo a instalação da tela, queimou o aparelho antes da inauguração da casa. “O imbecil fez tudo certo, só esqueceu que Santos é 220 volts e não 110”.

O telão voltou para Flórida, passou por inspeção na Nasa, pois contava com elementos químicos, e só depois retornou a Santos.

Danceteria
Outro fato inusitado ocorreu com a arquiteta Márcia Davis, na viagem do telão para a Flórida. Para aproveitar a viagem, Márcia conheceu diversas casas de shows em Nova York. Uma delas chamou muito a atenção da arquiteta. A Danceteria era um lugar fantástico, que ocupava um espaço com quatro andares. O local, que serviu de locação para algumas cenas do filme Procura-se Susan Desesperadamente, era frequentado por artistas do calibre da Madonna, Billy Idol, Nick Cave entre outros.

danceteria

Rolling Stones durante visita à Danceteria, em Nova Iorque, nos anos 1970

Quando voltou a Santos, Márcia comentou sobre a casa com Campos. Nos anos 1980, as discotecas tomavam conta das principais cidades.

O empresário, logo no início da conversa, cismou com o nome. Pediu para a arquiteta escrever o nome em um papel. E, depois de algumas semanas, veio a surpresa. Com o cancelamento do show de uma banda local, Campos mandou um anúncio de última hora: “Hoje não teremos shows, apenas danceteria”.

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A partir dessa data, diversos espaços em São Paulo começaram a usar o nome de danceteria, segundo Toninho. O fato gerou até uma briga entre o dono da Rose Bom-Bom (Capital) e Campos. O proprietário da casa paulistana afirmava que tinha patenteado o nome, mas Campos não deu bola para o possível processo que o concorrente prometia.

Hoje, o nome danceteria é de domínio público, e o termo está em desuso. Esses espaços são conhecidos, atualmente, como casas noturnas.

Primeiro show
A banda carioca Herva Doce foi a encarregada de cuidar do som na inauguração da casa. Era réveillon de 1982 para 1983. Campos se recorda de um fato engraçado que aconteceu naquela noite. Com o nome estranho da banda nos ingressos e nos lambe-lambes, muitas pessoas estranharam. “A polícia  chamou a minha atenção, porque não entendeu o motivo da festa. Acharam que fosse algo relacionado com drogas”, explica.

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Mas, depois de muita conversa, conseguiu provar que a festa nada tinha a ver com drogas, como poderia sugerir o nome.

Na apresentação, a Herva Doce apresentou seus primeiros hits como Volta Meu BemGanhei Um AviãoO Negócio é Relaxar e Não Faz Sentido.

Seis meses após o batismo em Santos, a banda de Renato Ladeira e Marcelo Sussekind viveu seu grande momento, abrindo o show da banda norte-americana Kiss, no Maracanã, no Rio de Janeiro.

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Mudanças
Depois de muitos problemas com a vizinhança (sim, meus caros, Santos sempre sofreu com isso), Campos decidiu transferir a danceteria para o Clube XV, na esquina da avenida Vicente de Carvalho com o Canal 3. A mudança foi provisória. O espaço era pequeno para o tamanho da fama das atrações.

Logo após a primeira edição do Rock in Rio, em janeiro de 1985, o empresário realizou mais três shows no espaço. Visando o crescimento das atrações e do público, transferiu suas idéias para o Clube Caiçara, na divisa de Santos com São Vicente. A logomarca da Heavy Metal caiu e o espaço recebeu o nome de Caiçara Music Hall.

O crescimento fez com que Campos trouxesse as bandas que acompanhara em Londres, no início da década. Em 1987, os grupos Siousxie and the Banshees e Bolshoi incluíram o Caiçara Music Hall em suas turnês pelo Brasil. 

O Caiçara foi bem reconhecido fora da cidade. A banda Camisa de Vênus gravou lá o seu melhor registro, Viva, em 1987. O local ainda recebeu o último show do Barão Vermelho, ainda com Cazuza, além de outras apresentações memoráveis.

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Fechamento
Em 1987, as coisas começaram a complicar. As bandas amigas de Campos (Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e RPM) foram parar nas mãos de empresários, e a negociação com esses artistas ficaram complicadas.

O rock ficou em baixa por um tempo na Região. As bandas de Santos estavam se reciclando. O Harry experimentava o eletrônico, o Vulcano atravessava uma fase complicada e o hard rock estava com um movimento fraco ainda.

Sons populares como axé, pagode e sertanejo viraram as preferências dos santistas. “Nunca iria trabalhar com esses estilos porque eu não gosto”, explica.

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Toda essa mudança contribuiu para o fim da Era Campos no rock santista. Hoje, o empresário cuida da rede de cinemas Roxy, em Santos e São Vicente.

Primeiros eventos da casa
31/12/82 – Inauguração: Festa do Pirilipimpim e Balão Mágico: Show com Herva Doce
12/01/83 – Dollar Company
15/01/83 – Premeditando o Breque
16/01/83 – Festa do 1º Campeonato do Circuito Paulista de Surf – Show com Sombras da Noite
19/01/83 – Dollar Company
21/01/83 – Chip’s Band
22/01/83 – Língua de Trapo
23/01/83 – Hot Line Band
27/01/83 – Chip’s Band
28/01/83 – Festa Barrados no Baile – Show com Eduardo Dusek
29/01/83 – Dollar Company
30/01/83 – Aero Blues
4/02/83 – Nico Assumpção
5/02/83 – Metalurgia
6/02/83 – S.O.S
11/02/83 – Trio Elétrico Quebra Gerebra
18/02/83 – Homenagem aos Rolling Stones
19/02/83 – Coisas do Gênero + Devo (discotecagem)
20/02/83 – Ultraje a Rigor + Jimi Hendrix at Rainbow Bridge
26/02/83 – Hermelino e Santos Football Club
27/02/83 – Rock Memories

Músicos relembram início de carreira na casa
A Heavy Metal não está guardada apenas na memória do público santista. Grandes músicos como Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, Edgard Scandurra, do Ira!, além de Tony Bellotto, do Titãs, lembram com carinho dos primeiros shows na casa que marcou os anos 1980 em Santos.

roger

Não me lembro exatamente do ano, mas deve ter sido em 1982 e em 1983 (primeiro show na Heavy Metal). Tocamos mais de uma vez lá. Eu soube da Heavy Metal através do rádio, quando estava em férias no litoral. Fui na cara-de-pau até Santos e falei com o dono (Toninho Campos). Foi uma conversa curiosa, pois eu não fazia ideia de quanto cobrar, ainda éramos amadores.

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Fiz um cálculo aproximado de quanto cobrávamos em São Paulo, mais despesas e chutei minha proposta. Ele, então, disse, em tom de brincadeira: “músico é uma merda mesmo, estou pagando mais do que isso!”. Mas pagou só o que eu pedi.

De qualquer forma, era uma casa muito bonita, boa de se tocar, com um público bom. Foi importante para levarmos nosso som ao litoral paulista e foi uma das primeiras vezes que tocamos fora da Capital”.
Roger Moreira (Ultraje a Rigor)

scandurra

A Heavy Metal, no começo dos anos 1980, colocou a cidade de Santos no mapa da vanguarda da nova onda que surgia com bandas como Ira, Ultraje a Rigor, Titãs, Barão Vermelho, Capital Inicial, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e muitas outras. Lembro-me muito bem do técnico de som, o Lampadinha.

O público às vezes era meio arredio com as bandas paulistanas, por um óbvio bairrismo que sempre existiu, mesmo que velado, entre paulistanos e santistas. Uma vez, quando eu tocava com o Ultraje a Rigor na Heavy, um garoto subiu no palco e jogou o meu microfone ao chão.

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Outra vez, quando ainda tocava com o Ultraje, fomos comer numa pizzaria. Tentamos sair sem pagar (uma espécie de esporte para a banda na época) e fomos surpreendidos na frente da recepção pelo garçon e o dono do restaurante.
Eu também, pegava ônibus, São Paulo-Santos, só para assistir ao show do Capital Inicial, que eu gostava muito, principalmente da Helena, a irmã do baterista e do baixista, Fê e Flávio Lemos”.
Edgard Scandurra (Ira!)

tony-bellotto

“Fizemos shows memoráveis no Heavy Metal. Era um lugar agitadíssimo e louco. Na primeira vez em que tocamos lá, antes de fazer sucesso, nos metemos numa briga homérica com alguns surfistas, todo mundo levou muita porrada, foi inesquecível”.
Tony Bellotto – Guitarrista (Titãs)

Toninho Campos, o homem responsável pelo sucesso da Heavy Metal nos anos 1980 - Crédito fotográfico: Davi Ribeiro / Jornal A Tribuna

Toninho Campos, o homem responsável pela Heavy Metal nos anos 1980 – (Crédito: Davi Ribeiro / A Tribuna)

Toninho Campos, o contador de histórias
Responsável pela Heavy Metal, Toninho Campos coleciona histórias com os principais nomes do rock nacional dos anos 1980. Bandas desconhecidas, à época, como Paralamas do Sucesso, Titãs (na fase do Ie, Ie, ies), Kid Abelha (e os Abóboras Selvagens) e Legião Urbana foram algumas das atrações que o empresário trouxe à danceteria.

Mas nem tudo são flores no mundo do entretenimento.Campos já enfrentou ego de artistas, falta de grana e diversas situações embaraçosas, mas nunca deixou o show parar. Confira abaixo algumas histórias dos bastidores da Heavy Metal, Clube XV e do Caiçara Music Hall.

Vermes e revistas
“A banda do Kid Vinil, a Verminose, era uma das principais de São Paulo. Quando já estávamos vendendo ingressos para o show, a produtora da banda me liga exigindo que divulgássemos a apresentação com o nome de Magazine.

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Mas como eu iria vender ingressos para o show de uma banda que ninguém nunca havia escutado? Não aceitei, briguei até o último instante. Para não ter confusão com a produção e não perder o público, anunciei o show do jeito que eu quis: Kid Vinil e Magazine. No final deu tudo certo”.

Divórcio de Cazuza com o Barão Vermelho
“Quando as coisas já não estavam tão bem entre o Cazuza e o Barão Vermelho, eu marquei um show da banda no Caiçara Music Hall. Depois de ter vendido três mil ingressos para a apresentação, recebi a notícia que o Barão tinha acabado.

Revoltado com a situação, tomei uma atitude drástica. Sabendo que um telefonema não iria adiantar, fui até o Rio de Janeiro para conversar com o Cazuza. Gastei dois dias para convencer o cantor, que tinha um temperamento explosivo, de fazer o último show com o Barão. Eu disse: “vai cantar! Você olha para onde quiser, mas as pessoas precisam escutar a sua voz”. Convencido, Cazuza aceitou.

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O resultado final não foi dos melhores. O vocalista abandonou o palco antes do fim do show, depois de discutir com Frejat. Apesar da decepção, Santos ficou marcada na história da banda como o último show deles com Cazuza”.

https://www.youtube.com/watch?v=fHx0ZZiJfgc

Renato Russo e as latinhas
“Na primeira vez que a Legião Urbana veio se apresentar no Caiçara Music Hall, o Renato Russo, frente a frente comigo, perguntou para a Fernanda Villa Lobos, empresária do grupo, se já havia solicitado para a casa não vender latinhas de cerveja durante o show. Eu não gostei, peitei ele e disse: “pô, Renato, você precisa de intérprete para falar comigo?”. O Renato respondeu que se jogassem latinha no palco, ele acabaria com o show.

Eu me revoltei e mandei ele pegar as coisas dele e ir embora. Disse que não precisava mais tocar. Mas eu fui esperto, levantei a bola para a Fernandinha chegar e cortar nele. A empresária convenceu o músico a subir ao palco.

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Depois, o Renato veio me pedir desculpa e eu disse que ele não precisava se desculpar. A briga partiu para o lado pessoal e o contato com Renato era feito apenas com doces. Eu sempre colocava um bombom no camarim e saia, porque se ficasse lá, era pedrada na certa.
Os outros músicos quando descobriram, brincavam que queriam brigar comigo, porque não era justo só o Renato ganhar bombom”.

A dívida dos Paralamas
“Quando eu trouxe o Paralamas pela quarta vez a Santos, os caras estavam bem estourados nas paradas e pediram um cachê alto. Mas eu não podia discutir, já tinha ganhado muita grana. Mas, diferente do que eu havia planejado, o show não lotou. Quando percebi que iria faltar o dinheiro para pagar a banda, fui correndo para o Gonzaga, peguei a renda do dia nos cinemas (o empresário é proprietário do Cine Roxy) e voltei para o Caiçara.

Ao chegar na casa, percebi que estava rolando um ti-ti-ti entre a banda e o José Fortes (empresário). O Fortes me disse: “Toninho, a banda sabe que o dia não foi muito bom para você e decidiu devolver toda a renda para o Caiçara”. Na hora, eu não aceitei. Disse que não queria. Mas não teve jeito. Ele disse que os meninos da banda não queriam ver o meu prejuízo. Eles disseram que estávamos quites, já que eu ajudei a banda no começo da carreira”.

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1 Comment

1 Comment

  1. Will Rodrigues

    28 de agosto de 2014 at 22:08

    Só pra constar…a primeira foto, do Camisa de Vênus, é de minha autoria.Eu era o fotógrafo do Caiçara Music Hall. Caso vc tenha ela em tamanho maior, agradeceria muito se me enviasse para guardar, tenho outras desse show, que foi o último show deles, mas esse negativo eu perdi..veja essas fotos dessa época https://www.facebook.com/willbrasil56/media_set?set=a.2587898702576.155097.1407827590&type=3

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