Céu lança Novela, sexto álbum de estúdio; ouça!

Céu descobriu-se compositora durante uma temporada no Lower East Side, em Nova York. Naquele início dos anos 2000, impactada pela performance das MCs pretas e porto-riquenhas nas ruas do bairro, a intérprete principiante foi tomada de uma liberdade extrema para manifestar-se através da própria música. Esse destemor está no álbum de estreia, Céu (2005), registro indicado tanto ao Grammy Awards quanto ao Grammy Latino. Em 2023, Céu retornou aos EUA, dessa vez para Costa Oeste, e lá concebeu Novela, sexto álbum de canções inéditas da carreira, que chegou às plataformas digitais na sexta (26). Gravado no Linear Labs Studio, em Los Angeles, a produção é assinada pela artista paulistana, pelo músico e produtor pernambucano Pupillo – ex-baterista da Nação Zumbi, corresponsável por Tropix (2016) e APKÁ! (2019), ambos de Céu, vencedores de três prêmios Grammy Latino, produtor de Gal Costa e Erasmo Carlos – e pelo multi-instrumentista e arranjador americano Adrian Younge, proprietário do Linear Labs, conhecido por álbuns como Something About April (2011), realizador de projetos com Snoop Dogg, Kendrick Lamar, The Delfonics e Wu Tang Clan, além da codireção na iniciativa multimídia Jazz Is Dead. Como de costume nos trabalhos de Adrian, a captação do álbum deu-se ao vivo, sem os aparatos tecnológicos da atualidade. Registrada em tape, numa dinâmica cujo momento presente exige presença total. O modo antigo que remete aos primórdios das gravações de discos formadores de caráter. Curiosamente, uma experiência futurista que, segundo Céu, demanda muita inteligência emocional e nenhuma artificial. “Nada vintage”, garante. Nas dependências do estúdio, a banda foi Pupillo (na percussão, programações e bateria), Younge (nos teclados, guitarra, contrabaixo – em “Reescreve” -, arranjos e condução de cordas e sopros) e Lucas Martins (contrabaixo – em praticamente todas as faixas -, violão, guitarra e coautoria de três dos 12 temas do disco). “Raiou em sua cor de sorte/ Entoa teu mantra e vai/ Cantando/ Viver é para os fortes”, diz a letra de Raiou, que abre Novela. A MC e compositora americana, que tem pais brasileiros, LadyBug Mecca, do Digable Planets, divide as vozes com Céu. Em Gerando na alta é a vez de Anaiis, cantora e compositora franco-senegalesa, radicada em Londres, na Inglaterra, trocar impressões acerca da sororidade. Loren Oden e Jensine Benitez, cantor e cantora dos EUA, estão em Into my Novela, parceria de Céu e Lucas Martins, faixa-título informal do disco, que fala da teledramaturgia do cotidiano, onde não há câmeras de TV registrando atos, tampouco roteiros predefinidos. “Eu sou a protagonista da minha Novela/ So good, yeah baby/ I want to learn how you want me/ To love you”. Há outros personagens de relevo na trama. Frankie Reyes, DJ e produtor americano de ascendência porto-riquenha, contribui na harmonia da faixa Buá Buá, onde Céu, dona da melodia e da letra, diz: “Chora todas lágrimas que um dia/ Você recusou chorar/ Chora porque reconhece/ Que uma dessas você não vai achar”. Hervé Salters, artista francês, líder do General Elektriks, coprodutor de Tropix, surge em High na Cachú, cujos versos de Céu dizem: “Água tão doce gelada me faz renascer/ Enquanto a pedra me chama de volta a sentar/ Retendo todo o calor que guardou do astro rei/ Me aquieto como uma flor a polinizar”. Marcos Valle, carioca patrimônio nacional, assina com a paulistana Reescreve, que, ao encerrar a sessão afetuosa, questiona a perspectiva dos colonizadores nos livros didáticos de História do Brasil. “O que estava ali/ Eu nunca fui de acreditar/ Cada página que eu lia/ Era mais sono pra me dar/ Desde os povos que calaram/ A brasa veio queimar/ A verdade vem à tona/ É muito pano pra manga”. Antes, Corpo e colo, a única de autoria de terceiros, é resultado do encontro entre Nando Reis e Kleber Lucas. Recentemente, numa rede social, o premiado artista gospel e pastor da Igreja Batista Soul, no Rio, celebrava o fato. “Mais uma belezura chegando. Parceria linda que fiz com meu mano Nando Reis. Recebi agora há pouco uma prévia dele cantando e estou simplesmente em êxtase”, disse. Em Novela, despontam tecnologias ancestrais, cura, cremosidade, bolero, estrelas lustradas, ecos da soul music, coisas da terra, rap e sussurros aos guias. Na totalidade do registro, a reafirmação do destemor da autora, comprometida com seu tempo, na complexidade e na beleza da lida criativa. Tendo, desde sempre, a diversidade da música brasileira no horizonte. A seguir, cenas eletrizantes dos próximos capítulos.

“Bullet Through The Heart”, novo single do Armada, relembra regime militar

“Como explicar um pouco mais de vinte anos de ditadura militar para um gringo?”, indaga o vocalista da Armada, Henrike Baliú. “Como explicar em uma música punk rock de menos de três minutos, duas décadas de chumbo?”, segue ele. Foi com esse propósito, que a Armada lançou Bullet Through The Heart, o segundo single do álbum Tales of Treason, previsto para 13 de maio. A missão de retratar o sentimento que pairava no ar no estado de exceção no Brasil, tem como pano de fundo a infância do vocalista. “Coloquei um pouco da minha história como criança, no final dos anos 1970, começo dos anos 80, já no final da ditadura, no Rio de Janeiro, onde nasci. Assim como da janela do quarto do apartamento da minha avó, o meu ponto de vista parte do Cristo Redentor. De lá, tentei sintetizar os horrores pelo qual o Brasil passou. É uma letra também sobre a perda da fé, algo muito pessoal para mim. Por isso adoro compor para a Armada, posso abrir minha alma e meu coração nas letras”, revela Henrike. Tales of Treason, que diferente de Bandeira Negra, lançado em 2018, é inteiro cantado em inglês, será lançado em LP, nos EUA e na Europa, pelas gravadoras Pirates Press Records e Comandante Records. Já o selo TGR Sounds disponibilizará o álbum no Brasil em CD. Quanto às expectativas para o lançamento do novo álbum, o vocalista se comede. “Gravamos o que gostamos, o que nos agrada, e se isso agradar outras pessoas também, ótimo. Armada é um escape para nossas ideias, uma mix das nossas muitas influências”.

Fresno e Pabllo Vittar criam banda fictícia em Eu Te Amo / Eu Te Odeio (IO-IO)

Estamos nos anos 80 e, em um galpão, a banda F.P.V faz a sua primeira aparição. Qualquer semelhança dos integrantes com Fresno e Pabllo Vittar não é mera coincidência: Lucas Silveira (voz e guitarra), Vavo (guitarra) e Guerra (bateria) convidaram Pabllo Vittar para ser a frontwoman deste novo conjunto criado especialmente para o videoclipe de Eu Te Amo / Eu Te Odeio (IO-IO), faixa que entoa versos sobre o contraste de sentimentos vividos em um relacionamento. O audiovisual, delineado visualmente nas cores preto e branco, tem influência nos registros analógicos de grupos de hardcore daquela década, chegou ao YouTube e faz parte do álbum recém-lançado Eu Nunca Fui Embora. “É um som um mais bem-humorado do que o normal da Fresno, mas, ao mesmo tempo, tem peso, tem uma sensualidade ali”, resume Lucas. Dirigido pelos irmãos Keops e Raony, vocalistas do Medulla, o clipe carrega a aura transgressora de um misto de Washington com ABC Paulista dos anos 80, principalmente por trazer uma drag queen como protagonista. “É um negócio muito à frente do seu tempo”, sintetiza Silveira. Entre as inspirações, estão o musical Hedwig and the Angry Inch (1998) e shows das décadas de 1970 e 1980 que aconteciam em centros culturais e imóveis abandonados que abrigavam coletivos contraculturais. Ter a Pabllo Vittar como participação era um desejo antigo do trio, que chegou a se materializar durante as lives QuarentEmo quando Lucas fez um cover de Disk Me. “Assim que comecei a escrever, mentalizei que esta seria a música com a Pabllo”, lembra. Fã assumida de Fresno, a cantora não hesitou em aceitar o convite. “Já faz um tempo que a gente vinha conversando e trocando ideias para criarmos algo juntos. Eu adoro passear por diversos ritmos e ainda não tinha produzido algo com essa pegada mais rock. A parceria e a canção casaram no momento certo. Foi muito divertido gravar com os meninos. Adorei ser a frontwoman deles”, afirma Pabllo Vittar. Após a construção inicial do universo de F.P.V, com a locação, figurino e estética, a Fresno adicionou o público como novo elemento da equação. Lucas, Vavo e Guerra sempre foram muito próximos de seus ouvintes e, para este novo trabalho, quiseram deixar essa aproximação ainda mais latente: todos os figurantes presentes na gravação são fãs da banda. Para que a atmosfera visual remetesse a shows antigos, eles optaram por um clipe totalmente em preto e branco. “As fotos dessa época são muito icônicas, referências clássicas pra muito do que se vê hoje na cultura mainstream. Normalmente em preto e branco, com aquele caráter jornalístico, traz um tom documental, meio eterno”, explica Lucas. O refrão Eu Te Amo / Eu Te Odeio (IO-IO) interpola o single Io-Io, do Trem da Alegria com a Xuxa, composição da dupla Sullivan / Massadas, de 1988. Esta é a quarta faixa do álbum Eu Nunca Fui Embora. O trabalho mostra como Lucas, Vavo e Guerra conseguem se reinventar e entregar composições sempre atuais. “Eu abri bastante meu horizonte de composição nesses últimos lançamentos da Fresno, experimentando com mais parcerias, e até interpolações como esta”, finaliza Silveira.