Rafael Galhardo, o Eu Galhardo, estreia em carreira solo com o álbum Eu. O trabalho marca um ponto de virada na trajetória do cantor, músico e produtor, que já colaborou com nomes como Elza Soares, Cidade Negra e Ponto de Equilíbrio. O disco reúne composições acumuladas ao longo dos anos e mergulha em temas como identidade, propósito e sensibilidade artística, em um processo de autoconhecimento.
Com uma sonoridade que mescla rock pop, reggae e nova MPB, Eu Galhardo apresenta 11 faixas autorais, que nasceram no violão e ganharam arranjos em estúdio com a colaboração de músicos convidados.
O repertório passeia por reflexões existenciais, afetos, espiritualidade e críticas. Ao longo do álbum, o artista convida o ouvinte a percorrer o mesmo caminho que trilhou para chegar até o produto final.
Em entrevista ao Blog n’ Roll, Rafael Galhardo falou sobre o processo de criação do álbum, o desejo de promover conexões por meio da música e sua visão crítica sobre o cenário atual dos shows ao vivo.
Por que agora foi o momento certo para lançar seu primeiro álbum solo?
Estou no universo da música há muitos anos, já tive banda e trabalhei com produção. Compus essas músicas ao longo da minha vida e, com a pandemia, pensei: “cara, vou gravar minhas músicas, vou fazer um disco.” Talvez um pouco antes disso. A ideia era colocar essas composições para fora, tornar público algo que sempre foi muito íntimo.
Tanto que o seu álbum se chama “Eu”, né? O que esse título representa para você?
Exatamente! As músicas são sobre mim, são leituras de como vejo a vida, de como sinto as relações entre as pessoas e tudo o que nos cerca. É a maneira como enxergo o amor, como percebo o outro na minha vida, tudo a partir da minha perspectiva.
São músicas que venho compondo há muitos anos. Algumas têm mais de 20 anos. Eu as tocava em casa, no violão e tudo mais.
Como foi revisitar composições antigas e transformá-las em um álbum com cara de presente?
Na verdade, elas existiam apenas em voz e violão. Então, a construção do álbum começou com a gravação dessas versões simples, como elas sempre foram. A partir disso, comecei a adicionar elementos: uma guitarra aqui, chamei um amigo para gravar a bateria, na verdade, dois amigos participaram, aí vieram os beats… Mas toda a estrutura se manteve exatamente como há 20 anos, do jeito que foram criadas. A estrutura, a métrica, a maneira como elas acontecem. Todas as músicas seguiram esse mesmo caminho.
Tem alguma delas que você considera especial? Que tenha um carinho maior ou considere mais íntima e reveladora?
Eu considero a última faixa do disco uma música mais introspectiva, que fala de um momento difícil, de solidão, de reflexão. É a faixa que mais retrata isso, é um pouco mais densa, talvez.
Cada música tem uma história especial pra mim. Eram composições que sempre ficaram ali, só pra mim, nesse universo “eu”, e acabaram virando o foco, o tema deste álbum, que é o primeiro.Quero fazer mais, quero criar outras coisas. Gostei da ideia.
E você tem uma longa trajetória como produtor. Depois desse projeto tão pessoal, pensa em continuar solo ou quer voltar a produzir para outros artistas?
Trabalho com várias vertentes da música. Também sou engenheiro de áudio, mixo alguns artistas ao vivo e toco com outros. Então, a música acaba estando presente em vários setores da minha vida.
A ideia é conciliar, fazer o que tiver vontade naquele momento. Agora, estou curtindo a ideia de tocar essas músicas, tentar fazer alguns shows, criar novas canções. Esse momento está sendo super especial, e novas músicas também estão surgindo. Então, nesse instante, estou priorizando essas composições em especial.
O disco mistura pop, rock, reggae e MPB. Foi uma escolha consciente ou natural?
Eu acho que essas influências que você mencionou estão todas presentes. Tem até um xote no meio de um reggae. Elas surgiram de forma espontânea, são coisas que vão te atravessando, que conquistam um lugar no seu imaginário. As músicas acabaram nascendo assim.
Não existiu uma busca por seguir uma tendência. Foi do jeito que elas foram surgindo, como eu imaginava que cada uma deveria soar. O balanço de cada faixa teve muito dessas influências, mas tudo aconteceu de forma natural. Não teve essa coisa de: “vou fazer um reggae”, “vou fazer isso ou aquilo”.
Falando em influências, você trabalhou com artistas grandes. Mas você, Rafael como artista: que artistas e músicas te influenciaram na sua carreira?
Muita coisa. Tenho um fascínio por aquele som do início dos anos 1980. Quando penso em bandas brasileiras, lembro de Paralamas do Sucesso, do Lulu Santos daquela fase inicial… Beatles, que é um clássico para todo mundo. Novos Baianos também é algo que me chama muita atenção, me intriga bastante pela diversidade que acontece ali.
Sempre ouvi de tudo. Nunca fui de me prender a um estilo só. Ouvir as músicas, entender… claro, tem coisas que você gosta mais, outras menos, mas nunca me impede de escutar algo por ser diferente. Então, tem muita coisa que me atravessou nesse meio do caminho também.
Teve algum artista que você admirava muito e já conseguiu trabalhar com ele?
A Blitz foi uma artista bacana com quem tive a oportunidade de fazer a mixagem de um show. Eu era guri e via a Blitz rolando, então trabalhar com eles foi incrível.
Depois de um tempo, comecei a entender o artista de uma outra forma. Isso é até uma discussão que precisa existir hoje: sobre a vida do artista e tudo mais. Quando a gente é mais novo, acha que é uma vida como qualquer outra, e, com o tempo, essa visão foi mudando pra mim. Aquela vontade de “ser aquilo ali” já não é mais tão presente.
É porque é uma imagem irreal, que hoje acaba sendo reforçada por essa cultura dos influencers, como se vendessem uma vida perfeita. Tem umas frases do Pedro Cardoso que falam muito bem disso. No fim das contas, é uma vida como outra qualquer. E, depois de tantos anos tocando e vivendo da música, tudo isso passou a ser algo mais tranquilo pra mim.
Você produziu o disco junto com parceiros. Como equilibrou o lado artista e o lado produtor?
Eu escolhi as pessoas para gravar, e o disco foi produzido por mim e pelo Daniel Martins, que gravou baixo na maioria das faixas, além de guitarra e teclados. Ele contribuiu muito. Eu mostrava a música no dia da gravação, deixando a galera livre para criar sua assinatura ali naquele momento. Algumas coisas eu direcionava, outras ficavam mais livres.
O trabalho artístico foi feito a muitas mãos. Nos vídeos, por exemplo, trouxemos o Renan, amigo de longa data, que criou e colocou a assinatura dele nas ideias. Também tem o fotógrafo Neto, de São Paulo, que fez a foto do primeiro single Olhe Só e ajudou na montagem visual. Abrir espaço para outros artistas criarem intervenções foi uma condição importante nesse projeto.
A faixa Inconstante fala sobre se sentir perdido. Esse sentimento te inspirou a criar?
Na verdade, esse sentimento me ajudou a criar essa música. O álbum, eu acho que ele surge no momento em que eu me encontro, resolvo expor isso, quero gravar essas músicas, fazer mais e me conectar com mais pessoas. É um momento de encontro mesmo, de entender quem eu sou, o que quero, meu propósito, qual é o meu desejo, essa é a palavra.
Eu quero arriscar, sair de um lugar vicioso, comum, quero tentar alguma coisa. Porque se expor é isso: estar suscetível à opinião, às críticas, alguém falar uma bobagem e você ficar de boas, porque está com sua estrutura bem sólida. Então, acho que é um lugar de encontro mesmo.
Você já comentou que, entre seus planos para o futuro, está planejar uma agenda de shows para divulgar suas músicas. Você já tem esse roteiro desenhado?
Ainda não. Estou curtindo os momentos aos poucos, as etapas. O show é a parte mais fácil, porque os caras que gravaram podem tocar comigo — já fizemos uma sessão de quatro faixas, e até o clipe de “Yo-Yo” é dessa sessão ao vivo. Mas quero algo mais caprichado.
Comentei isso com um amigo: a música ao vivo é maravilhosa, mas acho que as pessoas têm feito de qualquer jeito, com som e toque de qualquer maneira. Isso acaba sacrificando o artista e cansando a plateia.
Estive na Colômbia, num projeto com o Mosca e a Martinalha. No último dia, fomos a um show da banda Vera, e o som estava ok — aquele tipo de som que permite a galera conversar, um equilíbrio entre volume alto e qualidade sonora.
Para mim, o show é um lugar de conexão. Não quero fazer um show só por fazer; quero que seja agradável para todos: para mim, os músicos e a plateia. Que possamos criar esse espaço de encontro, sem barulho alto ou confuso. Tenho pensado nisso de forma mais crítica. Então, é isso: pensar na estrutura antes de montar a agenda.
Alguma chance de você passar pela Baixada, por Santos, Praia Grande ou Guarujá?
Me interessa muito. Estive em Santos com o Ponto de Equilíbrio há alguns anos, e com certeza seria incrível voltar para essa região. Na verdade, estou indicando alguns lugares e, nessa produção executiva, tentando mapear locais interessantes para fazer apresentações, levar as músicas e ir trilhando esse caminho — afinal, de grão em grão a galinha enche o papo.
Rafael, queria que você me falasse cinco álbuns que influenciaram sua carreira.
Vamos lá: O Passo do Lui, do Paralamas do Sucesso; Revolver, dos Beatles; What’s the Story Morning Glory, do Oasis, que é o segundo disco deles. Deixa eu pensar… Também tem uma banda incrível de Brasília, chamada Scalene, o álbum Real/ Surreal, que é muito bom. Acho que esses discos foram grandes inspirações para mim.
E pra gente terminar, Rafael, Que sentimento você espera despertar nas pessoas com esse novo álbum?
Reflexão, fazer pensar coisas boas. A gente vive um momento social muito ruim, individualista e egoísta. Eu quero despertar mais isso nas pessoas, pelo menos tento fazer isso na minha prática diária e levar esse sentimento para as músicas também.