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Romper Stomper #16 – Xingar Ou Não Xingar as Bandas da Sua Cidade?

As últimas semanas têm sido tensas para quem tem um contato próximo com o underground brasileiro. Pessoas dizendo para você “xingar” as bandas da sua cidade, pessoas dizendo para você não xingar as bandas, casas de show e sites anunciando seu fim, e claro, tudo isso envolvendo treta, MUITA TRETA. Até me lembra aquela música do Apocalipse 16“Vish, muita treta vish, muita treta vish”. 

O combustível da internet, em especial o Facebook, sem dúvida alguma é o sangue. Todo mundo quer deixar a sua perspectiva prevalecer, e não importa o que seja necessário pra isso acontecer: “A minha palavra é a última”. Eu não sou santo, provavelmente você também não é, então estamos juntos nessa né? O intuito desse texto não é criar mais polêmica em volta, afinal é mijar em um oceano de mijo. O grande ponto é estimular uma reflexão, de onde viemos, onde estamos e pra onde vamos. Se questionar é sempre bom, e quanto menos certeza temos, mais aprendemos. Também não quero me basear na história de ninguém ou de algum lugar, afinal, como diria o Mano Brown (tô muito do rap hoje): “Prefiro contar uma história real, vou contar a minha.”

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Não sei se eu já falei sobre isso aqui, mas eu comecei minha vida de jovem “pseudo panque/pseudo agacê” em 2002. Tinha um lugar aqui em São Bernardo chamado Volkana, uma casa apertada, som precário e um palco que quando você pulava pra dar um stage dive, perigava de bater a cabeça na quina do mezanino. Era tudo meio podre, inclusive o rolê em si. Saíamos de casa com R$5 no bolso, juntávamos moeda pra comprar Duelo no Tropicália, o bar que tinha do outro lado da rua, atravessávamos a avenida e voltávamos pra vomitar na calçada do lugar.

Não tinha muita banda na região. Quer dizer, até tinha, mas em sua maioria era tudo uma pivetada uns anos mais velhos que eu que tocavam cover das bandas da Fat Wreck ou umas autorais que tentavam ser o Blink-182. Quase sempre a gente voltava a pé desse lugar. Algumas vezes por falta de grana, outras porque a gente estava em um estado tão deplorável que era necessário andar até chegar em casa.

Meu primeiro show no Volkana foi do Blind Pigs e do Nitrominds. Eu lembro que nesse dia, cheguei cedo e os BP também e estávamos ali na porta esperando o Tadeu (dono do Volkana) chegar. Fiquei em choque com o visual dos caras, suspensório, coturno, moicano gigante, nunca tinha visto aquilo de perto, mas tanto o Henrike quanto o Fabiano foram muito gente boa, conversaram bastante com a gente e me deram um adesivo que resiste 14 anos no meu armário. No palco, eles foram um insulto. Garrafa de cerveja voando, o Henrike pulava do palco toda hora, o Gordo cantando junto com a galera com dedo em riste, e aquela bateção de cabeça que me assustou, mas ao mesmo tempo me encantou. O Nitrominds não tinha visto ninguém antes, não conhecia a banda, mas quando vi no palco, fui parar no chão.

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A banda funcionava como uma máquina de tocar música, uma sincronia absurda, um peso, uma brutalidade, uma velocidade e uma técnica inigualável. Logo na primeira música, que pelo que eu lembro era Policemen, o Lalo foi girar com o baixo, se enroscou nos cabos e caiu no chão. Mas o cara com a maior fodalidade do mundo, levantou e continuou tocando com a mão esquerda levantada fazendo o chifrinho do rock, sua pose clássica. Até hoje não consigo achar um adjetivo pra esse show, não sei, mas senti que algo me dizia que deveria voltar no Volkana mais vezes.

Os anos passaram e acumulei shows no lugar. Pulley, Dead Fish, Noção de Nada, Forgotten Boys, US Bombs, Garage Fuzz, Street Bulldogs, Carbona, The Bombers, The Twisted Minds, e mais uma caralhada de shows que o álcool apagou como se fosse a canetinha do MIB.

O Volkana despertava que eu fazia parte de algo, realmente me sentia bem lá. Por maiores que fossem os problemas que tivesse, ir no Volkana era algo que sempre me deu um up. Por três anos, aquilo fazia minha vida medíocre de adolescente ter um pouco de sentido. Não por simplesmente ver o show, mas pela proximidade que o ambiente te permitia ter com quem fosse tocar lá. Sempre rolava aquela tietagem, algumas bandas ficavam horas conversando, outras faziam questão de se livrar da pivetada. Enfim, nada como a vida pra tornar real aquilo que aparenta ser né?

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Fiquei um ano fora morando no Interior de SP. Quando voltei, o Volkana já não existia mais. E o Pay to Play tomou conta do ABC em festivais caça níquel. Aí, pra quem já não tinha tanta banda aparecendo na região ficou sem mesmo. Eram festivais com trocentas bandas, mas a ênfase era apenas dada para as bandas “principais”. Na mesma época, o pessoal começou a ficar maior de idade e já podia ir para São Paulo.

Eu ia junto, mas dos lugares que frequentei, nunca senti a mesma sensação que quando frequentava o Volkana, e por um tempo pensei que era coisa da minha cabeça, que eu já não me impressionava com tanta facilidade e etc. E enquanto isso, nós íamos para São Paulo, mas bandas como o Nitrominds ainda tocavam aqui pelo ABC.

https://www.youtube.com/watch?v=YHV9zbYzWyc&ab_channel=VictorPereira

O tempo passou, me juntei com uma pessoa e passei dois longos anos sem ir em nenhum show. Quando fiquei solteiro, senti aquela necessidade de voltar pra minha “vida de solteiro”, mas os lugares que frequentava tinham fechado em sua maioria, muitas bandas haviam acabado, meus amigos ou estavam namorando, saindo do país, indo em rave e outros rolês que eu acho roubada, ou simplesmente haviam se rendido ao ócio. Eu queria voltar e ver o que estava acontecendo, e acabei voltando, porém só aparecia coisa pra São Paulo, e lá fui eu.

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Avançando um pouco a história, nisso surgiu o Music Wall, e a oportunidade de falar sobre o que estava acontecendo de novo no underground. Eu não sabia por onde começar, tinha o Blind Pigs voltando, Statues On Fire surgindo e foram pessoas que me ajudaram bastante nesse início. Pessoas que continuam me ajudando até hoje. A primeira banda nova que chegou pra mim foi o Sky Down. Os caras ensaiavam no estúdio do André (Statues On Fire/Nitrominds/Musica Diablo), o mesmo me passou o som dos caras e fiquei vidrado. Através deles, indo em show e conversando com os caras, conheci mais uma porrada de bandas boas. Quando me dei conta, uma nova leva de bandas excelentes estava surgindo.

Só pra citar as que surgiram aqui no ABC e conheci nos últimos três anos: Sky Down, Color For Shane, Fingerprints, Der Baum, Versus Mare, Chá de Vênus (destacada na foto), Marzela, Nokaos, Statues On Fire, Letall, Mollotov Attack, Reverendo Frankenstein, Brain Stoker, Muff Burn Grace, Doze e muitas outras bandas que me desculpem, posso ter esquecido. Todas essas bandas renovaram totalmente o que era feito até então aqui na região onde moro. Todas tem a sua extrema importância e hoje vejo que as coisas estão muito melhores aqui por conta delas. Por que? Simplesmente, essas bandas hoje trazem o público de Sampa pra cá, ou seja, a situação se inverte hoje em dia. Sempre trombo bastante amigo que vem da capital pra prestigiar um show aqui, e sempre é uma surpresa enorme quando isso acontece.

Todas essas bandas precisariam de um lugar para tocar certo? Certo! Aí é que entra a parte mais legal disso tudo. Lugares fantásticos como 74Club, Casamarela e a Flame (que acabou de nos deixar por culpa da Prefeitura de São Bernardo do Campo) começaram a surgir. Esses lugares têm uma característica bem legal: não é só um lugar pra você tomar sua cerveja, ver o show e sair fora. Esses lugares sempre nos oferecem outro tipo de experiências.

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Na Casamarela, por exemplo, sempre rola exposição de algum artista local, até alguns “flash days” com tatuadores. O 74club tem máquina de fliperama, bilhar, quitutes caseiros feitos pelo Du (o responsável do “barraco”) e drinks inusitados, como o sensacional Vaginol. O clima dos estabelecimentos fica bem claro nos dois vídeos a seguir, o primeiro com o Color For Shane ao vivo na Casamarela, o segundo com o Der Baum, no seu maravilhoso clipe de Stop Confusion, no 74Club:

O que quero dizer com isso? Pela primeira vez em anos, esses lugares, essas bandas e essas pessoas fizeram com que sentisse aquele friozinho na barriga ao ir à algum lugar para ver um show. Novamente me sinto parte de alguma coisa e minha vida, até por conta do Music Wall, tomou um outro significado. É uma atmosfera mágica toda vez que trombo toda essa gente, é aquela sensação de prazer ao se encontrar, ao prestigiar e de sentir tudo que está acontecendo ali. Não existe protagonista, antagonista ou figurante, parece que por mais que existam problemas, todos estão ali em prol de algo.

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Respondendo a pergunta do título: Não xingue as bandas de sua cidade. A não ser que elas te dê um bom motivo. Se elas te chamarem de bobão, feio ou mocorongo, aí sim, xingue à vontade.

Moral da história: Em época de cagação de regra, ainda mais com a intensidade que isso ganhou devido à internet, se cobra muito. Algumas pessoas tratam como obrigação você apoiá-las, seja suas respectivas bandas, casas de show, sites ou o que seja, e quando você não os apoia, os dedos começam a ser apontados. O que ninguém se toca é que não existe essa regra, e não há obrigatoriedade em apoiar algo.

Você que leu esse texto até aqui, é livre pra pensar, ouvir, sentir e principalmente apoiar aquilo que acha necessário. Não é porque eu disse que todas essas bandas e lugares são especiais para mim que necessariamente vão ser pra você. Talvez você não goste, e não tem problema nenhum nisso.

Dos meus amigos que iam no Volkana comigo na minha adolescência, absolutamente nenhum me acompanha nesses shows, e nem por isso virei a cara para eles ou deixamos de nos falar. Você pode ir no show do MC Livinho, mas se você foi e sentiu a mesma sensação que eu descrevi, isso é totalmente válido. Ou seja, relaxa na bisteca e vai curtir sua vida do jeito que você acha que tem que curtir, pense por você mesmo.

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A Romper Stomper de hoje foi escrita com duas garrafas de 1,5lt de água gelada e um ventilador na potência máxima, ao som de:

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E um pouco de todas as bandas citadas no texto.

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