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Poesia e Rock #13 – A despedida de George Michael por Flávio Viegas Amoreira

FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
Foto: AFP

Ele foi o rosto de meados dos anos 1980: tempos de surgimento da aids e do estrelato de Madonna e Michel Jackson,- George Michael sobreviveu para contar, resistir e sair antes da inevitável decadência…..era com Elton John e Freddie Mercury a sagrada trindade de Dyonisos do pop inglês. Sting soberano Apolo dessa vertente do rock.

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Careless Whisper entrou em 1985 junto com sucessos nacionais de Cazuza embalando um Brasil que finalmente se via livre da ditadura militar de 20 anos: estourou com o rosto grego de feminilidade acentuada desse britânico que ao contrário de David Bowie e Prince trazia uma androginia intrínseca, sutil, nada deliberada com seus cabelos loiros esvoaçantes, a barba por fazer e um look rompedor: calças justas e desfiadas nos joelhos com furinhos rotos e jaquetas de pegação do Soho.

George Michael era todo ele ambiguidade apaixonando mocinhas desavisadas e o olhar oblíquo de quem sacava o que havia por trás do seu estilo feito sob medida para nosso apurado radar gay. A letra do hit daquele verão da Abertura e eleição de Tancredo falava sutilmente em Sussuro Descuidado: intenções subreptícias, pegação estilizada, vontade contida expressa por sua voz rascante e meio rouca “baseada” em vodka e gim tônica pelos bares esfumaçados do Village de qualquer cidade “entendida”.

Enquanto o mundo começava a fazer conta de menos com tantos artistas mortos pelo HIV, George Michael enterra seus e nossos mortos (Rock Hudson, Nureyev) criando sem medo, hedonisticamente, feito um habitante de Mykonos ou Ibiza em nossos ouvidos dilacerados enquanto nosso amor (meu, seu, nosso) crescia como risco de vida.

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Depois do estrondoso sucesso do clipe de Careless Whisper viriam outros: o espetacular Don’t the Sun Go Down on Me de novo com seu parceiro de alma Elton John e a definitiva entrega ao soul ao lado de Aretha Franklin em I knew you were waiting: ele era um soul mediterrâneo cantado a partir de algum lado do Hyde Park: rock bem embaladinho mas bem além de pop um estilista da interpretação: confesso que fui literalmente fissurado em George Michael tentando vê-lo anos depois nos rapazes da Galeria do Rock sentido Rua Augusta: quebrando esteriótipo de guitarristas machos sem sensibilidade para o terceiro sexo.

Numa ascensão fulminante, George estaria nas emblemáticas campanhas de Bob Geldorf e Quincy Jones pela África entre astros consolidados de Bono Vox a Bruce Springteen passando por Tina Turner e os injustamente esquecidinhos Boy George e Nina Hagen: rock ecumênico numa atitude que se repetiria como filantropia ou marketing.

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We Are The World só competia com as baladas de George nesse tão significativo 1985 de nossas vidas dilaceradas pela sombra avassaladora da aids. A moléstia foi um personagem na literatura, na música, protagonista de sensações variadas para quem fazia arte 30 anos atrás.

George brilhou no Rock in Rio de 1991, conheceu seu namorado brasileiro em Búzios e eternamente louvaria esse amor dos trópicos. Jesus to a Child surgiu melancólica letra tributo ao anjo surfista que também a aids (sempre ela!) raptou do Olimpo de beldades do bardo londrino.

Em 1998 um episódio quase folclórico se deu: George foi pego por um guarda filho da puta desses tipos tiras puritanos americanos quando já estava com a boca na botija: preso, pateticamente exposto pela CNN esquecido que em Los Angeles não existia ainda a proverbial liberdade gay nos banheiros públicos ingleses. A aids já não assustava tanto, mas quem imaginaria que esse affair californiano revelaria que a homossexualidade era ainda mal resolvida na profundidade dum desinibido performático na superfície do star system!?

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Outside surgiu como catarse: hino libertário, trilha sonora planetária para todas implosões de armário: George Michael pré internet foi ícone sensual na era MTV quando clipes bombavam, as paradas gays eram reunião de nossos guetos e o rock ainda bancava uma heterossexualidade forçada: nem poderoso quanto Bono, engajado feito Sting, longe da realeza de Elton John, George Michael soava pelo menos para mim o mais humano, demasiado humano cantor, essencialmente cantor desde Rod Stewart: acessível, poderia ser confundido com ursos cinquentões da Farme Amoedo ou esses tiozinhos já meio relaxados em sessões de teatro maldito da Praça Roosevelt.

Eu amei George Michael: sua morte soa agora despedida dum namorado imaginário e por fim só meu pelo culto e encantamento….os gays também tocam rock.

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