RICARDO AMARAL
Era uma vez…. Um lugar chamado Liverpool. Poucas bandas enalteceram tanto seu berço como os Beatles. Há referências a Liverpool em quase todos os álbuns do quarteto. Mas, em fevereiro de 1967, era lançado um compacto simples com referências diretas ao lugar: Strawberry Fields Forever, lado A, tendo Penny Lane, lado B é um disco, diríamos, simbólico, que acabou por transformar um abandonado orfanato e um ladeira sem maior significância geográfica, em espécies de santuários do Rock. Os campos de morango, nome dado ao orfanato, em razão das mudas da frutinha, eram uma clara referência de Lennon a sua infância de órfão. Por coincidência, ali deu seu primeiro beijo em Cinthia, sua primeira esposa e mãe de Julian (Jude, para os íntimos).
Penny Lane é uma rua simplória, quase uma ladeira, mas que desemboca em uma praça à qual a canção de Paul faz verdadeiro tour. Ao centro desta praça estava o Sgt Pepper’s Bistro, local de encontro de jovens nos 1950.
Contornando-a, pode-de ver, ainda hoje a barbearia (showing photographs) que hoje exibe quatro cortes de cabelo; e as reminiscências dos locais citados na canção, já superados pela modernidade. O compacto é uma espécie de aula didática do que é uma composição Lennon e o que é uma McCartney.
Em Strawberry, John parece sussurrar suas mágoas do momento, querendo retornar à infância. Não por pouco. Ele acabara de afirmar que era mais conhecido que Jesus Cristo e a afirmação “no one, I think, is in my tree“, revela seu completo abandono na tentativa de que entendesse a extensão de sua semântica trágica. O mellotron, que solfeja os tons da introdução, marca o início do som psicodélico para os fab four e cria toda a introdução necessária à avalanche musical que viria com o álbum Sgt Peppers.
Algo interessante aconteceu nas gravações… George Martin, produtor dos Beatles e mago de Abbey Road Studios virou-se a Lennon e disse que o arranjo da versão orquestral tinha sido gravado num andamento mais rápido e num tom mais alto (Si maior) que a primeira versão (Lá maior), Lennon apenas afirmou: Você dá jeito nisso, George”. E não é que eles deram!!!
Em Penny Lane, por sua vez, vem cheia do espírito escocês das composições de Paul McCartney. O piccolo trompete que cadencia militarmente a abertura da canção é de execução de David Mason. Não é à toa que o clipe da canção traz os meninos a cavalo. O andamento, segundo Martin, era de música de cavalaria italiana…rs Para quem viveu ou fez mais do que uma tour em Liverpool, reconhece a gíria “fish and finger pies”, como reconhecemos a diferença entre “média” para santistas e paulistanos numa padaria. Trata-se uma alusão sexual a meninos e meninas.
Quem quiser passear na existência poética de Liverpool, segundo Lennon e McCartney, coloque este compacto assim. Primeiro Lado A. Vire com cuidado, trata-se de uma joia. Lado B.
2 Comments
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Sandro Ethelredo Ricciotti Barbosa
22 de abril de 2017 at 16:55
E eu pensando que conhecesse razoavelmente esse período da música. Hahaha….Lendo seus textos, Ricardo, descubro que era muita pretensão minha. Nunca ouvi falar em Donovan ou The Zombies. E o que é pior: nunca reparei na mão espalmada sobre a cabeça do Paul, na capa do Sgt. Peppers. E olha que eu tinha esse disco em vinil. Enfim, além de super bem escritos, seus textos são uma verdadeira aula sobre aquela época, tal o número de informações que você possui. Escreva mais e mais…..Um forte abraço.
Ricardo Amaral
23 de abril de 2017 at 15:48
Querido Sandro, meu parceironde Beatles e tantos outros sons para toda nossa vida!
Obrigado por suas palavras!!!