NUNO MINDELIS
Este disco não é de hoje, mas de sempre, cabe falar dele em qualquer tempo, a qualquer hora.
Quando em 1961, aos 21, Bob Dylan saiu da gélida Hibbing, em Minesotta, em direção a Nova York, uma das paragens que costumava frequentar era o Café Wha, no Greenwich Village. Ali a cena era efervescente, misturavam-se músicos, poetas , atores , públicos ávidos, interessados e interessantes. Dali saiu gente como Allen Ginsberg e outros poetas da geração beat, Hendrix, Bruce Springsteen e por aí vai .
Nas suas primeiras canjas pelo Wha e outros cafés na região, o menino de Hibbing chegou a apresentar-se com Karen. E transformou-se, posteriormente, no que sabemos: uma das mais sólidas e arrasadoras carreiras de que se tem notícia; até Nobel de literatura já ganhou. E Karen?
Apelidada pelo próprio Dylan de ‘Billie Holliday do Folk”, Karen Dalton (nome original Karen Cariker, uma índia Cherokee) não teve vida fácil. Sequer é certa a forma como morreu, aos 55. Alguns relatos dão conta de que isso teria acontecido na rua (e como moradora de rua) em NY, de aids. Outros, mais leves, de que teria morrido no trailer em que morava, perto de Woodstock, de aids.
Apesar de tocar com destreza banjo, violão e guitarra, a sua voz rara e o seu canto é que entram para a história. O bardo acertou no apelido: no mínimo, Billie Holliday do Folk. Mas a sua frase era mais extensa: ‘minha cantora predileta, Karen tinha a voz de uma Billie Holliday e tocava guitarra como Jimmy Reed, cantei com ela várias vezes”. Para quem conhece Billie e Jimmy Reed, a envergadura está clara. A ela é também atribuída a música Katie’s Been Gone, composta por Richard Manuel (piano) e Robbie Robertson (guitarra) da lendária banda “The Band” , que acompanhava Dylan, no agora também já lendário álbum The Basement Tapes.
Karen Dalton deixou três discos: Cotton Eyed Joe (violão e voz, ao vivo em 1962, reeditado em 1996), It’s so Hard to Tell Who’s Going to Love You The Best (1969) e In My Own Time (1971), os dois últimos redescobertos e reeditados em 2006. Como se vê, podem se passar 20, 30, 40, 50 anos ou mais para que uma obra de arte possa ser compreendida pelos mortais comuns.
Além destes, foram recuperadas gravações de shows aqui e ali e editado mais material, tipo “previous unreleased” “lost tapes” etc. (Green Rocky Road, com apresentações entre 62 e 63, uma compilação intitulada 1966, outro album chamado Unheard Songs By Karen Dalton, 2015).
In My Own Time foi produzido pelo baixista Harvey Brooks (depois com Dylan, Doors, Miles Davis, Al Kooper, CSNY etc.etc) e foi o último trabalho registrado por Karen antes da sua morte. Devemos dar graças a todos os santos do Universo por duas coisas: um, Brooks (que certamente não é apenas um baixista, atualmente mora em Jerusalém e escreve livros) ter decidido fazer esta produção e dois, por tê-la feito tão primorosa.
Nela, Karen pôde ser mais surpreendente ainda, porque arrancada da zona de conforto. As faixas Something in You Mind (aahh!!!), In My Own Dream ( aahhh mais ainda!!!) são pérolas de mares raros, do começo do Universo, quando a concentração de oxigênio era colossal e todos os seres eram gigantes! Há também versões de When A Man Loves A Woman e How Sweet It is (aposto que Brooks pensou em algo para tocar nas rádios, aqui). Como sempre, melhor o resto. O instrumental refinado (que inclui wah-wahs sutis aqui e ali executados por gente muito do ramo), baixo (Brooks!), pianos e baterias irrepreensíveis enfim, é a cama perfeita para a combinação explosiva com a voz de Karen.
Se resistir até aqui, dê-se o tiro de misericórdia ouvindo One Night Of Love e In a Station.
Corra, eu garanto. Está no Spotifas também.