RICARDO AMARAL
Quando era garoto, no começo dos anos 1970, eram Beatles e os outros. Não guardávamos nomes difíceis, que não entendíamos o significado, mas aconteceu Tommy e não havia como deixar de notar o primeiro power trio do rock: The Who.
A musicalidade era muito diferente dos Beatles e Stones, mas a influência de ambas era notória. As músicas eram enormes e a versatilidade dos arranjos maior ainda, para quem dispunha apenas de baixo, guitarra e bateria.
Sei que muitos dirão que o Who era um quarteto, mas a ausência da guitarra de base colocava-os à categoria de power trio sim, principalmente porque até então, ninguém havia feito com a bateria o impossível. Keith Moon fez.
O Who mostrou muito, mas muito mais do que a destruição de guitarra e bateria. As letras eram de uma profundidade social até o momento exclusivas do folk de Bob Dylan e a apresentação da letra, agressiva e irônica. O vocal de Roger Daltrey não era teatral como Jagger, mas sedutor e insinuante.
Sempre tive o Who como o berço do Led Zeppelin, com canções que apresentavam quase épicos sobre o tema que tratavam e que tinham ambas um vocalista dramático.
Como todas as bandas inglesas, a formação cultural de seus componentes foi fundamental para a estrutura da banda.
Pete Townshend e John Entwistle foram os protagonistas em uma bandinha de jazz chamada The Confederates. Pete no banjo e John na trompa, o que já mostra a erudição de ambos.
Daltrey conheceu Townshend na rua e foi convidado para tocar guitarra de base. A banda passou a chamar-se The Detours e o forte era o blues e o country americanos. A primeira formação consistia de Roger Daltrey na guitarra base, Pete Townshend na guitarra rítmica, John Entwistle no baixo, Doug Sandom na bateria e Colin Dawson nos vocais. Depois de Dawson deixar a banda, Daltrey assumiu sua vaga e Townshend se tornou o único guitarrista. Em 1964 Doug Sandom saiu do grupo, e Keith Moon se tornou seu baterista.
Ao se apresentarem em um bar, após anunciarem o nome da banda, perguntaram-lhes Who? E a banda assumiu o nome enigmático.
Em uma apresentação, Pete tocava altíssimo e pulava nas finalizações dos acordes. Chocou sua guitarra no teto e provocou gargalhadas. Furioso, destruiu sua primeira guitarra e causou um frenesi na platéia.
Na outra apresentação, a casa lotou pra ver o “louco” que quebrava a guitarra, mas ele acabara de comprar uma Rickembacker novinha e não quis arrebentá-la. O povo gritava “crash” e Keith Moon cuidou de atendê-los, detonando, aos chutes, sua bateria.
A destruição de instrumentos virou uma marca dos shows ao vivo do Who e o incidente na Railway Tavern entrou para a lista de “50 Momentos que Mudaram a História do Rock ‘n’ Roll”, da revista Rolling Stones.
O primeiro sucesso do Who, em seu debute, foi o compacto simples I Can’t Explain, lançado em 1965, seguido por Anyway, Anyhow, Anywhere, a única composição conjunta de Townshend e Daltrey.
O primeiro LP foi no mesmo ano, com My Generation. Hinos de uma geração inteira, como The Kids Are Alright e a faixa-título My Generation, com o famoso verso I hope I die before I get old (Eu espero morrer antes de envelhecer).
Outros êxitos seguiram-se com os compactos simples Substitute, I’m A Boy e Happy Jack (1966), Pictures Of Lily e I Can See For Miles (1967) e Magic Bus (1968).
Mas foi com Tommy (1969), primeira Ópera Rock do planeta, dirigido por Ken Russel, que a banda atingiu o ápice do respeito da crítica. O filme traz estrelas de ponta como Clapton, Tina Turner, Elton John e expoentes de Hollywood, como Ann-Margret (Globo de Ouro por sua atuação), Oliver Reed e Jack Nicholson.
Os destaques ficam para os dois álbuns que considero um marco na história do rock: Who’s Next (1971) e Quadrophenia (1973).
Who’s Next é o mais aclamado disco da banda, com a marca forte do estilo que tomara forma com a guitarra mais alta de Pete Townshend e a bateria alucinada de Moon. Uma marca da banda é que não havia espaço para nada suave. O Who quebrava tudo mesmo.
Em 1978 veio Who Are You?, uma tentativa da banda de flertar com as rádios, mas sobreveio a morte de Keith Moon e a banda inicia uma turnê de lançamento totalmente apagada. Kenney Jones, ex-Small Faces, assumiu seu lugar. No ano seguinte a tragédia voltou a rondar o grupo: no dia 3 de dezembro de 1979 um tumulto no lado de fora do Riverfront Coliseum, em Cincinnati, Ohio, provocou a morte de 11 fãs que aguardavam o início do show do Who. A banda soube do incidente somente após a apresentação, ficando devastada com o ocorrido.
The Who é feito para ouvir alto e pular, enquanto se grita cantando. Não é igual a banda nenhuma. É pra quem não conhece ouvir e perguntar: Quem?!