ALESSANDRO ATANES
Há alguns anos, houve em Santos manifestações de moradores da cidade clamando pela proibição de os navios apitarem ao chegar ou deixar o porto. O motivo? O ruído atrapalhava a novela e o jornal. É como se os apitos, “sinfonias de navios andantes”, como escreveu o poeta Flávio Viegas Amoreira ao defendê-los, soassem como Música Nova para o santista que nem se importou com o fim do festival, ou como soou o rock’n roll para as boas famílias norte-americanas lá nos anos 1950.
Os Beatles entre Liverpool e Hamburgo, a hipótese ficcional de eles terem tocado em Santos, U2 e a portuária Dublin. Tenho usado este espaço esboçar esse território contíguo ao nosso, formado pelo cais que rodeia a cidade: o porto, espaço das trocas internacionais e das viagens. É o mesmo caminho trilhado (trilha?) pela música, em partituras ou gravações, e mesmo na memória e no corpo de bailarinas, bailarinos e instrumentistas que cruzaram os oceanos em navios pelos mais variados motivos pessoais, um trabalho, viagem de estudos, ou mesmo um longo passeio; ou processos migratórios, da fuga da fome e da guerra à escravidão.
Dos milhões escravizados aqui mesmo ou trazidos para a América nos últimos cinco séculos, quantos não eram músicos, artistas? O mesmo para os imigrantes em busca de trabalho ou paz. Ainda que os nomes sejam poucos, todas essas pessoas, mulheres e homens, contribuíram para o caldo que deu em samba e chorinho, jazz e blues, tango e milonga, e por aí vai.
Em quantos bares de portos teriam se reunido furtivamente, por alguns encontros, enquanto os navios vomitavam ou se empanturravam de cargas? Em quantas viagens, nos mesmos navios, quartos e porões teriam se conhecido e tocado juntos pelos dias da travessia? Pelo menos alguns momentos? Que outros ouviram e outros dançaram e tocaram.