Soul Kitchen – o rock em ‘germanês’

Soul Kitchen – o rock em ‘germanês’

FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA

Um beat largado pilotando um restaurante grego no cais de Hamburgo. Nada mais rock que a atmosfera portuária de Hamburgo. O outono com tocas de lã e camisas xadrezas em Santos é tão rock quanto a cidade hanseática do Mar do Norte. Não sei porque não divulgam mais o rock e a cena alternativa germânica? Começando por Kool & The Gang qualquer som colocado na vitrola nessa trama sobre um sujinho frequentado por undergrounds alemães soa rock com a força dum poema de Brecht.

Que sensação orgiástica ouvir The creator has as masterplan de Coltrane cantada por Louis Armstrong e Leon Thomas!!! Essa miscelânea greco-turca-germânica da fita de Fathi Akin ainda tem um solo gigante de Ruth Brown com I Don’t Know feito sobre medida ser inserido entre esse elenco meio naturalmente junkie onde a poesia das ruas, espeluncas, botecos e saladas mediterrâneas são a poesia aditiva a uma realidade entediante do capitalismo ocidental.

Talvez Du Hast da minha amada e super-cinematográfica banda Rammstein representaria lindamente o Deutschrock em Soul Kitchen, mas o lance da atmosfera desse filme é levar música latina brega & blues de raiz ascendendo ao status desse rock tão abrangente que insisto em enfatizar….

Logicamente que a cultura punk não poderia faltar num ensaio indie no meio do salão do restaurante cantina que ele mesmo é personagem dessa trama deliciosamente encardida. O bairro de Altona, nas margens do Rio Elba, não perde nada ao rock & poesia urbana de Berlim. E quanto nossa Santos poderia sorver essa cultura independente com nossa pegada tropical hardcore portuário?!

Adam Bousdoukos com um jeito de Jim Morrison nanico e helênico que interpreta Zinos nosso anti-herói outsider é o rosto da nova Alemanha multicultural e radicalmente cosmopolita: talvez seja nesse contexto centro-europeu que surja mais e mais bandas e manifestações de criatividade mix insurgente. Entre um gole de ouzo e artesanal, Soul Kitchen é toda essa possibilidade de reinvento: paraíso dos DJs Hamburgo exorbita….Esse universo de poesia grunge me é delicioso. Ver o horizonte a partir do cais e seu botequim dourado. Deixa-me citar um pouco Brecht para falar duma rebeldia que nos falta: O que é assalto a um banco, comparado com a fundação de um banco? O que significa matar um homem, comparado com contratá-lo para um trabalho assalariado? Essa irreverência alemã e seu rock correspondente fascina….Assistam Soul Kitchen.

[Flávio Viegas Amoreira]
Escritor, jornalista
flavioamoreira@uol.com.br