NUNO MINDELIS
Lá pelos anos 1990 eu tocava com alguma frequência em Paris, num clube chamado Le Baryton. Sempre que podia, pegava um amplificador valvulado que havia por lá. Mas, quando o outro guitarrista da banda chegava antes, sobrava um transistorizado e sempre ouvia de Pascal (e dos irmãos e pai, os donos da casa e muitos da platéia) ‘hey, você está usando o amplificador que era do Luther Allison!” diziam com orgulho e como quem quer saber se eu estava ciente disso. Tinham razão para orgulhar-se.
Allison tocava por ali com frequência e um moleque chamado Bernard também começava a fazer o mesmo, bem naquela época em que eu andava por lá. C’est son fils maintenant qui joue ici, il est comme son pére diziam. E é mesmo. Arretado, o Bernard Allison, hoje consagrado.
Nunca me dei bem com o amp, para dizer a verdade, não conseguia timbrar nele, sofri um bocado. Estava sempre me virando para trás tentando regulá-lo. Mas Luther Allison arrepiava nele, imagino. Talvez a guitarra combinasse melhor, (existe isso, para quem não sabe) ou talvez o aparelho não rachasse nem fosse temperamental quando ele o usava, sei lá . Não me lembro da marca.
Esse período na Europa (morando na França) foi fundamental à sua volta triunfal para solo americano. Apesar de, acredite-se, antes disso tudo ter, no mesmo solo americano, subido ao palco com Howling Wolf em 1957, ter sido apadrinhado de Freddy King que o levava pela mão para todo o lado, ter gravado o seu álbum de estreia em 1967 com a Delmark (o templo do blues) e ter assinado com a Motown em 1972 (o templo do soul).
Passou um bocado de tempo lá para provar que valia o que valia. Agora em 2018, no vigésimo aniversário da sua morte, a homenagem vem na forma de uma caixa de luxo com dez LPs , sete CDs, quatro DVDs e um livro! O acervo de 1976 a 1997 pela europeia RUF Records, do seu empresário europeu Thomas Ruf. Pena que não está por aqui para desfrutar dela.
Os CDs e LPs são limited and numbered de 1,5 mil e 1 mil unidades respectivamente. A primeira coisa que salta ao cérebro é a coragem. Como, em pleno século 21, tempos de streaming em que música virou commoditiy como TV paga ou água encanada, se lança uma caixa dessas normalmente reservada a celebridades do Pop da altíssima visibilidade, como Bob Dylan ou Paul McCartney! Tudo bem que é edição limitada e de números mais modestos, mas mesmo assim requer coragem. E não deixa de ser animador, legados sólidos continuam tendo o seu cantinho garantido e tranqueiras mentirosas desaparecem dois dias depois.
Dentro desse pacotaço há muito footage e um deles foi o show de três horas que Allison fez no (antigo) WC Handy Awards em Memphis (agora Memphis Blues Awards) em 1996, do qual saiu com cinco prêmios, incluindo o de ‘Blues Entertainer of the year’. Quem esteve lá diz que foi absolutamente catártico e inigualável.
Abaixo uma lista do conteúdo, só quero ver como é o meu simpático editor Lucas vai fazer para mostrar a música, pois não está em lugar nenhum que eu tenha visto, Spotify, nada. Sugiro trechos de álbuns que estão na caixa, nos lançamentos originais, só que se perderá provável remasterização. Ou pode ser que a esta altura já esteja em streaming, estamos em tempos de Flash Gordon afinal, entre começar e terminar o artigo…
Se você é colecionador daqueles, corra para pegar este tesouro do blues. Tem na Amazon, na Ruf Records Oficial etc. etc.
Abraxxx
Álbuns:
Montreux 1976
Let’s Try It Again – Live ’89
Hand Me Down My Moonshine
Bad Love
Blue Streak
Reckless
Life Is A Bitch
Um livro, incluindo quatro DVD’s
Im Konzert – Live In East Berlin
Live In Paradise
Just Memories
Ohne Filter