NUNO MINDELIS
Dia destes tive a sorte de trombar com um rapaz talentoso e muito gente boa chamado Kleine. Desligado como sou (põe desligado nisso, é invulgar) esperei que ele saísse para perguntar quem era, até ali sabia apenas que era um cara legal que me mostrava vídeos e fotos quase transcendentais de uma beleza vertiginosa (para dizer o mínimo), tiradas por ele próprio, de auroras boreais.
Soube depois que é (entre muitos outros projetos legais) o guitarrista do Ultraje a Rigor, que pode ser visto e ouvido diariamente no The Noite do Danilo Gentili. Agora, ele está lançando um trabalho novo de sua banda, a PAD. O nome do álbum é O Som e a Cura.
No encontro falou-me com carinho e muita reverência de alguns dos seus heróis da guitarra, um deles Luiz ‘Tutti Frutti” Carlini (que participou na steel guitar mais bem timbrada e bonita que dele ouvi em anos), revelando de imediato um dado importantíssimo: o respeito pelos pioneiros, pela experiência, pelo que veio antes. A isso chamo de erudição; sabemos que, infelizmente, existem um monte de pseudo rockers com nariz empinado e até insolente que não tocam nem campainha de porta e nunca ouviram o suficiente (em qualidade e quantidade), confundindo Jerry Lewis ator com Jerry Lee Lewis. Começaram a casa pelo telhado, nem conferiram Elvis e a sua incrível banda, por exemplo, o embrião do gênero. Ops, saí do roteiro…
Voltando ao PAD e ao Kleine (guitarrista de verdade e de categoria, produtor ídem, arranjador etc), papo vai papo vem, no meio das indispensáveis risadas, falamos dos nossos projetos em curso, ele lançando O Som e a Cura, e eu tentando terminar o mix e a master do meu futuro-novo-álbum gravado ao vivo no Suwalki Blues Festival na Polônia. Ali mesmo me mostrou uma faixa de O Som e a Cura (em speakers decentes) e mostrei videozinhos meus no celular (tem algo mais chato?) do tal show da Polônia.
E que faixa foi essa? A quarta, Eu Sou o Cara. Que poderia ser a primeira, sozinha já vale o disco. Várias coisas me impactaram logo, da sonoridade alcançada à execução primorosa de todos os músicos, ao vocal lusófono de primeiríssima (caraca! parabéns humildemente, Fabio Noogh!) ao perfeccionismo da produção, enfim, coisa de quem nivela por cima e não deve nada a nenhuma banda rock do planeta. Nada, nothing, rien! Logo também me ocorreu: PAD funciona porque o seu rock tem o blues, o soul e o folk na fórmula, tem ancestralidade nas influências.
Lá vou re-martelar, põe na cabeça de uma vez: não existe rock sem blues. Ritchie Blackmore, John Lord, Keith Emerson ou Rick Wakeman (estes últimos heróis de Rodrigo Simão, o tecladista) são blues. Zeppelin é blues, Sabbath é blues, toda a história do rock é blues. Até Beyoncé é blues. É dali que vem. Bandas recém-nascidas na indústria inglesa e americana (e do resto do mundo em geral) são altamente eficientes porque por lá se ouvem os monstros sagrados desde que se nasceu, mesmo em plena era Justin Bieber. Alguém imagina um filho sem o DNA do pai? Não, né?
Esse pessoal aos 15 anos já ouviu de Elvis a Rancid passando por todo o resto imaginável. Beleza, então se você se diz roqueiro, saiba que deve ter conhecimento básico de blues. Tem? Ops, saí do roteiro de novo…
PAD mostra que tem. Voltamos ao respeito e veneração pelos que já contaram uma história boa, além de um escancarado talento individual dos seus membros.
E quem é o ‘cara’ de Eu Sou o Cara? Não é o Roberto Carlos e muito menos o Lula (que aliás nunca foi chamado de ‘o cara” por Obama, o que este usou foi a expressão here’s my man, que significa mais ou menos aqui está você, meu chapa). O que a fake propaganda não faz! Ops… de novo?
Voltando ao ‘cara’, PAD faz uma homenagem à PM, aos que são constante e generalizadamente taxados de assassinos, desprezados pela opinião pública e pelos organismos de direitos humanos em peso, por grande parte da imprensa etc.. Também são pessoas como nós, têm o direito de se defender, são pais de família que arriscam as vidas diariamente (e detentores de triste recorde de assassinatos pelos marginais, mais de 60 por mês; só no Rio um é morto a cada 3 dias) . A música foca, pois, nesse outro lado que ninguém parece querer enxergar. A corporação se emocionou bastante com essa dedicatória e dedicou ao grupo uma tocante e bonita homenagem, há uns dias.
O grupo? Fabio Noogh e Rodrigo Simão já falei, Marcos Kleine também, Will Oliveira (baixo), Leando Pit (guitarra) e Thiago Biasoli (bateria)! Todos de verdade. Como de verdade é a música Estranho Mundo Novo (faixa 6), que ouço neste exato instante. Muito bem bolada, riffs enérgicos saem da guitarra, piano bonito logo na introdução e que segue como uma viga indispensável na música, texto bacana!
Ouça o álbum do começo ao fim, está nos streamings, Spotifas etc.. Sonzeira. Aliás, Tanto Tempo, a última faixa de um total de dez, só é a última porque alguma teria que sê-lo, já que cairia bem mais cedo também. Só não como primeira, porque essa seria reservada a Eu Sou o Cara, em qualquer hipótese. Eita!
Abraxxx pessoas bonitas e antenadas.