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3.15.20
3.15.20

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Faixa por Faixa: confira 3.15.20, de Childish Gambino

Depois do sucesso irrefutável de Awaken, My Love!, de 2016, Donald Glover levou longos quatro anos de prosa para concluir seu próximo álbum. Mais conceitual, complexo e contemplativo, ele propõe 3.15.20, lançado de surpresa.

Uma peça importante em tempos de auto-isolamento, a obra de Childish Gambino ousa mais uma vez, construindo uma narrativa própria. Com isso, Glover prova-se novamente um dos artistas mais multifacetados de nossos tempos.

É nítido que carrega sua bagagem pelo cinema como matéria-prima na criação do álbum 3.15.20, entretanto, não é uma peça fácil de entender. Longe do simples entretenimento, é um disco extremamente sensorial, que guia para uma nova experiência.

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Com exceção de Algorhythm e Time, todas as canções são intituladas conforme o tempo que aparecem no disco. Algumas delas tinham nomes antes da versão final, mas acabaram apenas rotuladas a números.

Glover também renasce em seus princípios e sentimentos, mostrando aos fãs outro momento de sua vida. Temas como sexo, drogas, paternidade, preconceito racial e auto-aceitação são encarados de forma ainda mais profunda, partindo do tema principal: amor.

É uma imersão garantida, como um experimento científico! Confira a resenha faixa por faixa do quarto álbum de Childish Gambino, 3.15.20:

0.00

Com quase 3 minutos, a abertura de 3.15.20 é o prelúdio ao conceito experimental. Não é cantada, nem conta com instrumental contínuo. Traz vocalizações pontuais e um som ambiente crescente, quase como um mantra para meditar.

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Em meio ao caos que está prestes a abordar nas próximas canções, Glover tira o momento inicial como um grande respiro. Ele nos prepara para o que está por vir, despertando nossos sentidos.

Algorhythm

Algorhythm tem um trance com batida dançante, mas trata de um tema que assusta: a decisão humana sobre o desenvolvimento de inteligências artificiais. A carga crítica traz uma teatralidade à música, que conta com narrativa própria, como boa parte de 3.15.20.

A atmosfera é bem densa e futurista, com vozes robóticas, cortes mecânicos e batidas firmes. É uma das faixas mais pesadas no disco, inspirada no estilo industrial. Entretanto, nos últimos segundos da faixa, as batidas se transformam em batidas cardíacas, atribuindo um senso “humanizado”.

Time

Mais próxima do pop, trap e soul, Time relembra a premissa de Feels Like Summer, falando da constante ameaça humana ao meio ambiente e os perigos do comportamento egoísta. Nesta canção, conta com a participação de Ariana Grande, que aparece de forma quase angelical.

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Em meio às batidas, Glover canta com paixão. A música suaviza bem no meio, trazendo um aspecto gospel que remonta às raízes do artista. É difícil em certo ponto discernir os gêneros incorporados na faixa, que vão se atrelando como uma fórmula química.

12.38

Da ficção científica à comédia satírica, Glover retorna ao rap, pop e R&B. Retoma temas como atração e sedução, que sempre entram em suas composições de formas “sinceronas”.

Por meio da tensão sexual entre dois amantes, faz um jogo de flerte. Entretanto, a paquera real é uma nova experiência com uma droga que o locutor desconhece. Explícita, a faixa acompanha os acontecimentos dessa noite confusa.

19.10

Tudo que é dado, é pego de volta“, canta Glover. Qual o preço da violência? Como o medo molda a realidade? Algumas dessas questões são levantadas pelo artista, que nesta faixa, está recebendo conselhos de seu pai.

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No diálogo, o pai deixa nas entrelinhas as incertezas do mundo, a violência às vidas negras e o perigo iminente de se perder do lugar ao qual “você pertence”.

Para fortalecer a mensagem, Glover se inspira no funk, resgatando as raízes da black music. Também embala um pop ao estilo de Prince. Além de levantar questionamentos pertinentes sobre a questão racial, a canção também homenageia as raízes da cultura afro-americana.

24.19

Nesta faixa, Glover reflete em um relacionamento. Sua “canção de amor” é mais um questionamento sobre si mesmo e seu valor, sobre o quanto merece ou não ser amado.

Como a canção mais longa do álbum, 24.19 é extremamente sensível, atravessando sentimentos conflitantes. Uma ode aos errantes, que também serve como análise de uma mente ansiosa, antecipando seus fracassos e autossabotagens.

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Mais uma vez, a referência a Prince é inegável em cada verso da balada. O instrumental cresce e suaviza de forma equilibrada, conduzindo a história. Cheio de dúvidas, o personagem caí na entrega à paixão, recupera o fôlego pós crise e alcança o clímax do prazer, como uma história de superação contada através do sexo.

32.22

Inicialmente chamada Warlords, 32.22 usa múltiplos recursos para dar uma sensação de selva: sons sintéticos, ruídos dispersos e o beat constante como uma busca.

Viajando por ondas e frequências, Glover brinca com sua voz. Os versos em constante repetição dão uma sensação claustrofóbica que vai se intensificando. Frenética, a canção tem textura própria, mesmo turbulenta.

35.31

E no meio de toda a revolução dos beats, havia espaço para uma brincadeira em pegada country em 3.15.20. A faixa mantém os beats de fundo, com um rap divertido em cima.

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O momento de descontração quebra um pouco a narrativa do álbum, mas vai retomando sua linguagem no fim da canção. Em certo ponto, cantando sobre movimento, um verso é tocado ao contrário.

39.28

Dois tiros e um corpo / Dois tiros e um corpo“, “Alguns esperam todos os dias pela ligação“, “Luto é um oceano parado / eu nunca nadei a menos que você nadasse“. Os versos falam por si só, não é mesmo?

Com uma auto-harmonização a capella, Glover deixa implícitas algumas mensagens à nossa interpretação, descrevendo uma cena de perda. Ademais, também fala de amor próprio, lembrando como é difícil amar a si mesmo quando esta pessoa perde seu grande amor.

42.26

Feels Like Summer é renomeada para 42.26, revisitando um grande momento de Childish Gambino em seu discurso socioambiental. Com margem para diferentes interpretações desde seu lançamento, em 2018, a faixa serve como lembrete das últimas produções do artista.

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Remontando ao R&B, soul e pop, o hit é desconfortável e agradável na mesma medida, ao ponto que entender seu contexto contrasta com a melodia suave.

47.48

Quase um samba, os ritmos agitados embalam outra discussão sobre violência contra negros. Desta vez, Glover explica a realidade do mundo ao seu filho, Legend, de 3 anos.

Alertando para as incoerências da vida, ele é surpreendido pela pergunta do pequeno. “Você se ama? A mamãe ama a si mesma?“, questiona. Para um artista com longo histórico de dúvidas sobre si mesmo, ele não hesita em afirmar que sim, com sua melhor “voz de pai”. Mas a dúvida paira no ar.

53.49

No fim de seu discurso, ele volta a falar de amor, de como o sentimento está presente em tudo. Entretanto, o amor assusta, com versos ríspidos, rápidos e batidas agressivas de hip hop. Com exceção do refrão, onde assume um tom regente, ao som do gospel.

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Childish Gambino personaliza sua batalha contra o racismo, colocando sua narrativa de forma extremamente pessoal. A constante sensação de solidão (mesmo sem estar só na batalha), a incessante busca por aceitação e os desafios do amor próprio são alguns dos temas abordados.

Com disposição e esperança, deixa mais uma carta aos seus filhos, ao mesmo tempo que se força a acreditar no amor que é tão difícil de conquistar. “Eu fiz o que eu quis fazer“, proclama.

Saldo final: positivo!

Childish Gambino prova que Donald Glover não tem medo de nada. A persona criativa, nua e crua, que se despe em versos e ritmos muitas vezes confusos, é sua maior criação por si só.

Com 3.15.20, ele prova novamente que o pop carece de desafio. Olhando pela falta de variedade na indústria musical, Glover se mostra cada vez mais preocupado em agregar valor ao seu trabalho.

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Por isso, se consolida novamente como um criador de arte, liderando experiências que transcendem a música. Um álbum para escutar, interpretar e reinterpretar diversas vezes, como uma obra em constante redescoberta.

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