*FABRÍCIO DE SOUZA
Quando topei ajudar a viabilizar o show do Fugazi em Santos, não sabia que estaria fazendo um divisor de águas da música independente contemporânea em Santos. E com isso ajudaria a influenciar toda uma geração na região.
O show não era uma produção de responsabilidade totalmente minha. Quem queria trazer o show para cá era uma produtora de São Paulo, que me procurou pois tinha o interesse de entrar na Cidade e colocar o Garage Fuzz para abrir. Me propuseram que fizesse a ponte com a cidade para viabilizar esse evento.
Eu ainda não fazia shows profissionalmente. Tinha organizado apenas uns shows no saudoso e querido Teatro Rosinha Mastrângelo, a famosa Arena do Rock, no Teatro Municipal de Santos. E me foi proposto esse desafio: ajudar a viabilizar o show em Santos de uma das maiores e mais influentes bandas da cena punk mundial, o Fugazi.
>Ouça o show em Santos na íntegra<
Sabendo que ainda existia pouca tradição para esse porte de show em Santos, me vi diante de uma tremenda responsabilidade. Era algo que me faria ter que trilhar um caminho novo com parceiros e locais novos para esse estilo musical na cidade.
Bar do 3, o escolhido
Pensando onde poderia ser, imaginei no Bar do 3, que ainda não tinha recebido nenhum show desse estilo na casa. Até então era uma casa que basicamente tocava MPB, mas que tinha um espaço físico perfeito para esse tipo de show. Fui lá, com a cara e coragem, junto com o pessoal da produtora de São Paulo, para tentarmos fechar com a casa.
De início, os sócios da casa acharam a história do evento diferente, som pesado, “punk”. Um dos sócios não tinha tido uma boa experiência com show de rock pesado em Santos e ficou bem ressabiado em fazer. Já o outro sócio acreditou no evento, e assim fechamos com a casa.
Não tínhamos ideia que naquele momento estava começando a ser escrita uma história marcante na música santista. Foi algo que marcou tantas pessoas que curtiam rock, punk rock, hardcore e música alternativa na região.
Com tudo fechado, começou minha parte de dar suporte ao evento e divulgar. Como quem viveu a época sabe, boa parte da divulgação era feita com cartazes de xerox espalhados em postes, bares e lojas da cidade. Mandei confeccionar 200 cartazes e sai colando na cidade inteira, pessoalmente, um trabalho árduo. Colei os 200 cartazes e pensei “caramba, consegui colar os 200 cartazes…”.
Atrapalhando a divulgação
Só que uns dois dias depois, a Prefeitura de Santos criou uma lei que proibia a colagem de cartazes em postes e lugares públicos. O Bar do 3 recebeu uma notificação para retirar todos os cartazes que estavam espalhados. O dono, bem preocupado, me ligou falando que eu teria que arrancar TODOS os cartazes.
Bom, lá fui eu com uma espátula de pedreiro, arrancar todos os 200 cartazes que tinha colado pela cidade (risos). Arranquei todos e tive que intensificar a divulgação por panfletos/flyers para não deixar a peteca cair. Não era isso que impediria a produção.
Como citei acima, aceitei trabalhar nessa produção para que o Garage Fuzz tocasse no evento. A outra banda convidada eram os amigos do Againe, banda de São Paulo, que também vinha se destacando na cena alternativa da época.
Para as duas bandas tocar com o Fugazi, poder ver de perto eles passando o som, como tiravam aquela sonoridade e estar na presença de um dos grandes ícones e lenda do punk/HC mundial, Ian MacKaye, era praticamente um sonho!
No dia 20 de agosto de 1997, ficamos ali no Bar do 3 aguardando eles chegarem. Até que eles chegaram de forma bem discreta, eram super reservados e quietos. Entre eles, eram caras sérios, que analisavam toda a situação brasileira, mas sem estrelismo algum. Pelo contrário, eles não se sentiam nem um pouco celebridades. Só curtiam ficar na deles, dava para ver isso. Cada um deles sacou um livro e começaram a ler, nitidamente mostrando que não queriam ser incomodados.
Reservados, mas sem estrelismo
O pessoal das bandas, todo mundo ali, brincando e fazendo barulho. Até que o próprio Ian MacKaye deu um grito: “Shut up, I wanna be in silence!” (risos). Ficamos em choque! O homem tinha ficado “P” da vida com a gente. Entendemos e nos retiramos.
A produção da tour tinha nos avisado que eles não curtiam “slam dance” ou a chamada “roda punk”, nem os “stage dives”, também conhecido como “mosh”. Pois depois de anos excursionando pelos EUA, viram pessoas se machucando praticando isso nos shows. Se tornaram contrários visando a segurança do público. Quando o público começava a fazer isso nos shows, eles apostavam em músicas mais lentas e experimentais da banda. Justamente para acalmar o público.
Na hora do show, o Bar do 3 estava lotado. Sim, era verdade, o que parecia impossível há um tempo, estava acontecendo. O Fugazi estava se apresentando em Santos!
Começaram o show com as músicas mais conhecidas. Quando começaram os stage dives, como nos tinham dito, passaram a tocar músicas mais lentas. Mas nada que tirasse o brilho e o prazer de vê-los ao vivo. Posteriormente, sabemos a história que veio logo após esse show, no mesmo palco e cidade. Obrigado, Fugazi!
Setlist
- Intro
- Smallpox Champion
- Facet Squared
- Interlude 1
- Place Position
- Styrofoam
- Public Witness Program
- Interlude 2
- Bed For The Scraping
- Target
- Break
- Blueprint
- Promises
- Forensic Scene
- Reclamation
- Margin Walker
- Waiting Room
- Break-In
- Bad Mouth
- By You
- FD
- Great Cop
- Sieve-Fisted Find
- KYEO
- Two Beats Off
- Long Division
- Cassavetes
- Repeater
- Floating Boy
- Sweet And Low
*Fabrício de Souza é baixista do Garage Fuzz e produtor de shows.