Geordie Greep faz show antológico e intimista em São Paulo

Alguns shows se fazem antológicos pelo seu escopo. De exemplos a história da música está cheia: os Beatles no Shea Stadium, o Queen no Live Aid, o Nirvana no Reading, ou, se quisermos nos aproximar na linha do tempo e na geografia, o mar de sinalizadores no System of a Down em Interlagos ou os milhões que lotaram Copacabana para ver a Lady Gaga. Outros se fazem antológicos pelo completo oposto. São aqueles que capturam artistas em ascensão tocando em lugares que logo vão se tornar impossíveis para eles devido ao seu tamanho. São momentos fugazes, dos que devem gerar discussões em bares até os dias de hoje: “tudo bem que você viu eles tocarem pra meio mundo em um estádio, eu vi quando eram umas 50 pessoas em um boteco”. Com apenas um disco de estúdio lançado em carreira solo, o britânico Geordie Greep não parece interessado em alcançar o patamar de nenhuma das bandas citadas. Ao mesmo tempo, o álbum The New Sound, do ano passado, já o alçou, no mínimo, ao lugar que a sua antiga banda, o black midi, ocupava no panorama da música alternativa contemporânea. Um lugar que supera, por muito, a capacidade de cerca de 80 pessoas do Bar Alto, onde fez a sua estreia brasileira na última quarta-feira (5). >> Confira entrevista com Geordie Greep Sideshow do Balaclava Fest, que ocupará o Tokio Marine Hall no próximo domingo (9), a apresentação com ingressos esgotados teve clima daqueles shows que, por muito tempo, só se ouvia falar aqui pelo Hemisfério Sul: os dos artistas que resolvem encolher por uma noite para uma ocasião mais intimista voltada aos fãs. Isso se fez notar desde o começo, seja com os músicos, Greep incluso, abrindo caminho pela pista do local para chegar ao palco, seja nos backing vocals da competente banda de apoio, cantados em parte sem o auxílio dos microfones. A banda Foi com Holy, Holy nas caixas de som que Greep subiu ao palco. “É estranho entrar ao som da sua própria música”, comentou, em uma de suas poucas falas da noite. A partir daí, o britânico se comunicou de outras formas. Acompanhado para a turnê brasileira por um time de músicos locais, o show focou totalmente no repertório do disco, deixando de fora apenas duas faixas e abrindo espaço para muito improviso e experimentação. No papel, foram nove músicas tocadas, na prática, a apresentação chegou na marca de uma hora e meia de duração. A escolha da banda não foi por acaso. Parte dos músicos participou das sessões do disco, gravado parcialmente em São Paulo durante a primeira e última (se não houver uma reunião) passagem do black midi por aqui. A influência da música brasileira é notável em The New Sound, o que, ao vivo, fica ainda mais aparente. Além da estreia de sua carreira solo no país, a noite também marcou a primeira vez que a formação tocou junta ao vivo. Pelo palco, era possível ver folhas de partituras e anotações para auxiliar os músicos nas canções que não são lá as coisas mais simples do mundo. Sem querer menosprezar o valor de um bom apoio, o fato é que os olhos da experiente banda raramente se demoraram no escrito, sempre buscando os seus companheiros para executar as passagens. Assim, Greep atua não só como maestro, dando instruções através de gestos e, por vezes, falando, mas também como público, visivelmente empolgado com diversas das construções da banda. A cozinha, formada pelo baterista Vitor Cabral e o baixista Fábio Sá, dá a sustentação necessária com os andamentos tortos típicos do jazz fusion, sendo que nos momentos mais intensos a batida na caixa chega a ensurdecer. O guitarrista Filipe Coimbra alterna entre as paisagens melódicas e fortes distorções, buscando feedbacks grudando a guitarra em seu amplificador. O trabalho do percussionista Daniel Conceição, que chega a bater em uma garrafa de vidro com as baquetas, realça a brasilidade das músicas e, por fim, o tecladista Chicão Montorfano toca como se estivesse possuído, arrancando olhares de alegre euforia de Greep. Quanto ao cantor, ele reveza entre fazer somente o vocal e tocar junto a guitarra. Quando pega o instrumento, ele debulha, dando a impressão de ter passado os seus 26 anos em um conservatório. Quando só canta, no melhor estilo crooner, a voz grave alcança notas impressionantes. Improviso O black midi primava pela desconstrução das suas canções ao vivo. Muitas vezes, era difícil identificar o que eles estavam tocando mesmo para quem conhecia o repertório. Sozinho, o cantor e compositor não é tão hermético. Todas as músicas são reconhecíveis para quem está familiarizado com o disco, porém, a grande maioria delas se estende e se expande. A primeira vez que isso é mais perceptível é durante a terceira música do set, a instrumental The New Sound, que dá nome ao disco e vem após uma sequência matadora formada por Walk Up e pela brasileiríssima Terra. É após a canção alongada que ocorre o único deslize aparente, no começo de Through a War, facilmente contornado após o reinício da música. Fora isso, tudo parece fluir em sintonia, apesar de muito parecer vir do improviso. E o improviso é essencial e por vezes emociona mais do que as próprias canções. É fácil falar que Holy, Holy, por exemplo, foi um dos pontos altos da noite. Realmente foi. Difícil é explicar que a longa jam que veio em seguida e desembocou em Bongo Season – que em estúdio tem meros 2 minutos e 35 – foi tão espetacular quanto. Não existe um segundo desperdiçado no show do Geordie Greep Antológico Provavelmente, o show no Bar Alto não enfeitará as páginas da história da música como os citados no começo deste texto. Ele se destina a um outro tipo de história, a que existe na memória de quem estava presente e de onde não deve sair tão cedo. Com o tempo, pode até integrar o vasto folclore dos shows em solo nacional, naquela categoria dos que mais se ouvem
Entrevista | Teago Oliveira – “A melhor forma de se defender do mundo é buscando ser feliz”

Um dos principais compositores de sua geração, o baiano Teago Oliveira é mais conhecido por liderar a banda de rock Maglore, com quem gravou cinco álbuns de estúdio, um ao vivo e um acústico. No último dia 10 de outubro, o artista, que já foi interpretado por nomes como Gal Costa, Erasmo Carlos e Pitty, lançou ao mundo a sua segunda aventura solo, o disco Canções do Velho Mundo, sucessor de Boa Sorte, de 2019. Gravado em um home studio com o mínimo de computadores possível, o trabalho tem coprodução do próprio Teago em parceria com Otávio Bonazzi. Contando com uma variedade de ritmos e influências que vão desde o indie rock até a MPB, o disco também tem faixas com participações especiais de Eric Slick, baterista da banda norte-americana Dr. Dog, e da artista carioca Silvia Machete. Em entrevista ao Blog n’ Roll, o cantor falou sobre o processo de composição do álbum e das suas letras. Ele também bateu um papo sobre a sua carreira, Gilberto Gil, a busca pela felicidade, entre outros. O que motivou você a voltar agora para um trabalho solo? É a vida mesmo. Tem uma quantidade de músicas que me sinto seguro de lançar, que eu enxergo que estão fora da banda também. A banda é o meu primeiro trabalho, vamos dizer, né? Tô nela há 16 anos já. Às vezes até parece que o meu trabalho solo é a banda, porque, enfim, compus a maior parte dos discos. Eu sempre fui apaixonado por ter banda, sempre quis ter banda, o sonho da minha vida era ter uma banda de rock um dia, né? E eu realizei esse sonho com a Maglore, que é uma conjunção de identidades que forma uma identidade só. Ao longo dos anos, eu sempre compus, mas o som da banda não é necessariamente exatamente o meu som. Lógico que tem muito a ver, tem muita coisa a ver, mas eu preciso deixar também a banda ter a cara dela, sabe? Então tem muita coisa que é dos caras ali, e o meu trabalho solo vem de uma vontade de explorar outras coisas. Outras linguagens que eu também tenho enquanto compositor e a vontade, também, de produzir discos, que é uma coisa que eu já faço há muito tempo, mas não assino produção. Essa foi a primeira vez que eu assinei mesmo a produção junto com o [Otávio] Bonazzi. Eu sempre coproduzi discos, mas dessa vez eu me senti seguro pra assinar, e aí eu juntei essas músicas ao longo desses últimos dois anos e quando eu senti que estava pronto o esquema da composição, eu fui gravar elas. E as músicas estavam prontas quando você começou a gravar ou você foi fazendo durante? Quando eu comecei a gravar eu tinha basicamente 80% das coisas prontas, tanto de melodia como letra, tava 80% do caminho andado. Durante o processo, acabou surgindo Não Se Demore, que foi uma música que eu fiz porque eu precisava testar um microfone novo, que eu tinha pego o violão e aí começou a vir a música e aí eu parei de testar o microfone e fui fazer a música, e depois voltei pra testar o microfone. Tematicamente, o disco fala bastante da passagem do tempo, né? Desde a primeira música, Minha Juventude Acabou, até o final, só que não necessariamente de um jeito negativo. Mais como alguém que pensa no futuro enquanto olha pro passado. É viagem minha ou é isso mesmo? É um pouco assim, cara, música é um negócio muito… né? Tipo, como é que eu vou dizer que a interpretação da pessoa não tá certa? Se você colocar uma música minha numa questão de vestibular, muito provavelmente eu vou errar também, eu não vou saber. Muitas vezes a galera acha que a gente é dono da obra, mas, na verdade, a gente não é, a gente só escreveu e, enfim, existem várias interpretações. Essa é uma delas e eu acho válida também. Eu acho que o disco tem uma veia cômica assim, sabe? Que é algo que eu venho desenvolvendo já há algum tempo, que é coisa da idade mesmo. Ele fala sobre uma passagem do tempo, mas ele não fala do envelhecimento em si. Ele fala do tempo como curso das coisas. Não é linear esse tempo, ele fica indo pra vários tempos assim, o disco, né? E é isso, eu falo com humor sobre, não necessariamente só sobre a passagem do tempo, mas sobre diversos momentos de vida. Eu acho que eu falo mais sobre o mundo do que sobre o tempo, talvez, neste disco. Falo mais sobre o que tá fora do que o que tá dentro da minha vida. Óbvio que eu, como sou muito fã de compositores que escrevem cotidiano e que escrevem coisas e que criam mundos a partir de situações e experiências vividas, experiências próprias da vida, confessionais, como, sei lá, Bob Dylan, John Lennon, enfim, Caetano, Gil — eu não tô me comparando com esses caras, não, só tô falando que eles são uma referência, obviamente. São compositores que eu sempre escutei e que me agradam mais do que alguns outros e tal — óbvio que tem alguma coisa ou outra mais confessional que fica misturada com a narrativa de cada canção. Tem passagem do tempo, tem a forma de falar de amor fraterno, tem a forma de falar de amor entre duas pessoas, o amor carnal, o amor espiritual também, enfim, fala de mundo, fala de algoritmo, fala de uma porrada de coisas. E você pode falar um pouco das participações especiais também? Tem o Eric Slick [em Spaceships] e a Silvia Machete [em Vida de Casal] em duas músicas que, inclusive, você canta em outras línguas. Como foi esse processo? Eu acho que foi, até um ponto… eu não gosto muito de feat, não, eu não gosto de feat em disco. Geralmente, quando tem feat em disco, eu nem escuto, pulo, sempre ouvi disco sem feat, né? E nesse disco