Quem pensa nas obras mais conhecidas do dramaturgo inglês Willian Shakespeare (1564-1616), como Romeu e Julieta ou Hamlet, nem imagina que O Bardo, como era chamado o autor, também escrevia sonetos. E fica mais difícil imaginar que essa poética, escrita em um inglês arcaico, pode servir de letra para um rock. Mas é nessa mistura inusitada que Gabriel Braga Nunes aposta para trilhar um novo caminho profissional.
O artista, conhecido por trabalhos em novelas da Globo e Record, preparou uma série de singles em que música e sonetos shakespeareanos se harmonizam. Dez composições já estão prontas e, destas, quatro estão disponíveis nas plataformas digitais.
“A ideia surgiu da minha dificuldade de escrever boas letras. Sempre tive mais facilidade em compor a música e me parecia que as minhas letras diminuíam as músicas que eu tinha feito. Os sonetos são uma parte mais desconhecida de Shakespeare e achei esses 154 sonetos que ele deixou, que achei que combinavam perfeitamente com o rock, com alegria, plenitude e desespero”, conta Nunes.
Métrica e rima de Gabriel Braga Nunes
O músico afirma que além da métrica e da rima colaborarem com as músicas, os sonetos não têm um personagem principal. São feitos na forma de um testemunho do autor, em primeira pessoa, com dramaticidade muito forte.
O primeiro lançado foi All in War, que apresenta o Soneto 15. Nele são abordados temas como a decadência e a ação do tempo sobre nossas vidas. O autor sofre ao perceber a finitude na pessoa amada e a proximidade da morte. Em uma tentativa de repor o que foi roubado, o poeta escreve em guerra com o tempo e devolve em versos a vitalidade do amor.
A segunda canção do projeto, Antique Song, tem uma participação especial: a filha de Nunes, Maria, de 6 anos, canta ao seu lado. A música, baseada no Soneto 17, oferece a poesia como uma forma de eternidade. A beleza e as qualidades são tão sublimes, que o autor teme ser desacreditado no futuro. Mas mesmo assim, escreve, tentando conceber em versos o tamanho de seu amor.
A terceira faixa é Mounted On The Wind, um blues composto a partir do Soneto 51 e inspirado na canção Edelweiss, do musical A Noviça Rebelde, do qual Nunes participou há dois anos.
O Soneto 51 aborda a ansiedade do amante em encontrar seu amor, com uma metáfora sobre a velocidade do galope de seu cavalo, que o faz se sentir montado no vento.
A faixa mais recente
A última faixa, For My Sake, foi uma das primeiras canções compostas para esse projeto, há quatro anos. Em resumo, tinha Alice Cooper e Kiss como referências de estilo.
“Interpretei o sujeito do soneto como uma pessoa comum, sem grandes feitos, e que reconhece não ter tido melhores oportunidades. Alguém que enxerga o cuidado e atenção de sua companheira ou companheiro, como um bem precioso na vida”, explica.
Com arranjos feitos em parceria com Luíza Lapa (que conheceu fazendo o musical A Noviça Rebelde) e Leo Mayer (com quem tocou na banda Hurricanes), os singles buscam o equilíbrio entre literatura e rock, inspirados em Leonard Cohen, Nick Cave, Lou Reed, entre outros.
Mixagem
A mixagem do trabalho completo, com dez sonetos, foi feita em fevereiro, antes da pandemia, período em que o artista continuou compondo.
“Tem mais sete sonetos prontos para lançar mais para frente. Esse é um projeto em andamento, que pode até ser vitalício”, afirma o músico, que, além de cantar, em algumas faixas toca baixo e guitarra.
Até o final do ano, quando nasce sua segunda filha, Nunes pretende continuar em casa, mantendo o isolamento e compondo. Mas para 2021, assim que for possível, ele pretende fazer shows do novo projeto.
“A gente não sabe quando vai poder voltar. Mas, até lá, sigo envolvido com os sonetos.”