Christian Satã é o líder do clássico do skacore portoalegrense Julio Igrejas há quase duas décadas. Mas só agora ele, figura fácil nos shows da cena local, lança um projeto solo, mostrando diversas outras influências no som. Produzido por Davi Pacote, Christian Satã e Seus Demônios saiu no digital em novembro e chega em CD em dezembro, via Morcego Records.
Primeiro, me conta a história do disco. Ele começou a ser gravado em 2014 e só saiu agora? Verdade que talvez ele nem saísse?
O disco começou a ser feito em 2014. Eu levei as músicas, fizemos alguns encontros com o Thales, o Guto e o Pacote, mostrando as músicas no violão (o Pacote já tinha ouvido algumas antes). Daí a gente começou a escolher e trabalhar em cima das músicas. As 13 músicas ficaram prontas em três ensaios. O disco foi todo gravado em 2014 e ficou meio parado, esperando acontecer alguma coisa com ele. A ideia sempre foi lançar. Eu demorei um tempão pra mixar e também não sabia o que fazer com a capa.
Conversando com o Henrique (Carbona, Morcego Records), acabei mandando uma música pra ele, ele curtiu, eu nunca tinha mandado pra ninguém. Duas, três, acabei mandando o disco inteiro… Começamos a conversar, e o Henrique deu a ideia de fazer a capa com o Victor (Stephan, dos Estudantes). Ele fez um rascunho e fomos desenvolvendo, e estava resolvido o problema da capa. Vamos lançar pela Morcego!
Como foi o processo de composição? Você de vez em quando fazia músicas e achava que não cabia no formato skacore? Por que essas musicas não foram pra Julio Igrejas?
As músicas do disco são de várias épocas. Nosso Amor Sadomasoquista é uma música de 1992, que eu tive com a minha primeira banda, a T.A.F.. Eu achei que essa música era muito boa pra nunca ter sido gravada. Foi uma banda de colégio. Resolvi gravar e achei legal convidar os dois da banda para participarem da gravação: o Jefferson gravou um bandolim e o Pedro um sax.
Cada dia é um dia é um hardcore. Originalmente foi feita pra Julio Igrejas, mas a letra é meio pesada, fala sobre droga, coisas que a Julia Igrejas não costuma falar. Por não ser tão descontraída ela acabou sendo limada do repertório, mesmo que tivesse tocado em shows.
Indiferença também era do repertório, em versão ska. A princípio era para ter sido o single até. Elas todas são bem diferentes do estilo da Julio Igrejas, talvez mais sérias, e meu disco foi muito experimental. Houve uma colaboração muito grande do Guto, Pacote e do Thales. Os guris colaboraram muito nos arranjos, assim como cada convidado teve liberdade total para criar.
Quais são os planos pra show? Vai ter tour? Quem vai tocar?
Quando esse disco foi gravado a gente tinha a ideia de fazer pelo menos um show de lançamento, com a banda e os convidados do disco. Se possível, vamos filmar esse show. Já pensei também em montar uma banda específica para mais shows, e também shows “voz e violão” comigo. Mas claro que se tiver um convite a gente vai dar um jeito, até os guris da Julio Igrejas já se colocaram à disposição.
Fala da participação do Jacques (Maciel, do Rosa Tattooada)
Essa música, O que eu sinto por você, é um hard rockão no melhor estilo Poison/Skid Row e de de certa forma existe uma influência muito grande de Rosa Tattooada, que é uma banda que eu gosto bastante e sempre fez parte da minha vida musical.
Gravamos, ficou foda, o Pacote enriqueceu a música, com arranjos de orquestra e botando teclados, o Mauricio Tubs gravou um piano sensacional, muito bonito. O Jacques é meu amigo, chamei, passei a música e ele pilhou muito.
Foi uma experiência muito afudê, porque é um ídolo, desde a minha adolescência eu curto Rosa Tattoada, tenho vinil, foi um prazer gigantesco ter a participação dele. O bicho chegou lá com a Gibson dele e fui muito afudê vê-lo gravando.
Como foi a escolha do single?
Eu tinha pensado em Indiferença, mas foi praticamente voto vencido. O Henrique pirou muito com o refrão de O que eu sinto por você, e o Pacote (produtor) dizia o mesmo, porque ela é diferente de tudo, tem uma pegada muito foda e a participação de uma das feras do Rock Gaúcho.
Não sei se eles combinaram, mas os argumentos foram muito convincentes. Tem um clipe dela pra lançar, com imagens de uma viagem à Europa. Um clipe feito de forma mais simples, filmado por mim, minha mãe e minha irmã. Eu passeando por Londres, Liverpool e Edimburgo.
E a faixa bônus? Explica aquilo!
É uma loucura! É uma música que a Julio Igrejas sempre toca nos shows, Aquela Punheta. Eu queria fazer uma releitura. O Guto sugeriu um arranjo Beach Boys, piano e voz. Ele gravou o piano e começou a trabalhar a linha vocal. O Guto começou a gravar vocal em cima de vocal, e foi virando um monstro, muito louco. Eu olhei pro Pacote e falei “cara, eu não vou mexer nisso aí. Não vou gravar nada. Vamos botar assim”. E o Guto nem sabia, agora que contei pra ele.
Foi um presente, ficou um troço muito bonito, e entrou como um bônus, depois de Bad Trip. Quando o cara passa pela bad trip, aquela loucura toda que foi, ele chega no prêmio, e o prêmio é a punheta, tocada pelo Guto. E ficou muito bacana, tem muito de Beach Boys. Ele desconstruiu – como o Thales disse, “é uma punheta desconstruída”.
E a historia de bad trip?
Eu tive uma apendicite aguda e fui pro hospital. O apêndice estourou na hora da cirurgia, deu problema, ficou tudo meio infeccionadão, tive muita febre, fiquei muito mal e com muita dor, muita dor. Aí os caras me deram morfina.
E eu tive uma badtrip da morfina. E na minha badtrip de morfina eu vi tudo aquilo: tiroteio, tentei fugir do hospital… Quando a gente foi gravar, chegamos naquela parte da mudança, e falei pros guris que a gente precisava passar a sensação que tive, os enjoos, o incômodo. Aí fizemos aqueles tempos ali, acho que um 5/8, já nem sei mais. Um tempo totalmente quebrado.
Tem muitas vozes, que seriam vozes da viagem. Tem muitas coisas ruins, pessoas falando coisas ruins. Algumas coisas são engraçadas, tem mensagem de Whatsapp de amigos. É bem difícil conseguir ouvir. A ideia é fazer com que as pessoas não consigam ouvir a música até o final, fiquem nauseadas.
Pra quem está com medo de você, fica afim de explicar seu apelido?
A história do apelido é uma coisa muito engraçada e louca ao mesmo tempo. O apelido nasceu em 1994. Na época, tinha uma locadora de CD chamada “Sound and Vision”, que foi responsável por muitas coisas importantes. Quem trabalhava nessa loja era o Dudu Tomazelli, que foi o cara que criou a Julio Igrejas comigo, e o Diego Medina, que todo mundo conhece por causa da Video Hits, do Doiseu Mindoisema. O Diego sempre foi um grande amigo.
Um dia eu tava alugando os CDs, ele perguntou o número da minha ficha. Já era pós-expediente, já tava bem calibradinho. Aí ele leu o nome na ficha, e Christian Starhan virou Christian Satã. Ele começou a gritar “Satã! Satã!”, daquele jeito Diego de ser. Quando ele se acalmou, ele olhou o número da nota de locação e era 18666. Aí ele continuou a berrar “Satã!” várias vezes e foi mais difícil acalmar. E resolvi usar o apelido que ele inventou.
Ficou mais legal ainda porque o meu nome é Christian, um nome teoricamente cristão, religioso. Fica uma coisa meio antagônica, o religioso com o demônio. Acabei assumindo essa alcunha, mas é só um apelido, de Satã mesmo não tenho nada. Seria um Satã Carinhoso. Como diria o Diego, o Satã mais mimoso que ele conheceu.