O guitarrista Hugo Mariutti, ex-integrante do Shaman, lançou o terceiro álbum solo da carreira, The Last Dance. O disco é o primeiro desde que o fim da banda foi anunciado em janeiro. O projeto de Hugo Mariutti segue a linha característica da carreira solo dele, que se diferencia do heavy metal por qual é muitas vezes conhecido, e explora composições introspectivas e sonoridades alternativas.
Mariutti descreve o disco como “uma mistura de tudo que vem do Reino Unido. Esse trabalho vai desde Gerry & The Pacemakers até The Clash”. Hugo Mariutti ainda cita influências que vão de The Smiths, Joy Division, Beatles até Radiohead e Arctic Monkeys.
Hugo Mariutti conversou com o Blog n’ Roll sobre o novo álbum, as influências, preconceitos no rock, além do término polêmico do Shaman. Confira abaixo.
Você sempre ouviu essa sonoridade pós punk, apesar de ter passado boa parte da carreira em bandas de metal?
Na verdade, acho que o som que mais escuto são as bandas de rock inglês de todas as épocas, desde os anos 1960 passando por todas as fases, punk, pós punk, tudo. Então acaba que é meio natural assim pra fazer esse tipo de som.
Sei que muita gente estranha porque meu maior destaque foi em uma banda de heavy metal, mas sempre no Shaman levávamos esse tipo de influência para as músicas e lógico que fica de uma maneira mais velada ali, mas sempre teve alguma coisa desse tipo de música envolvido lá também.
A sua carreira solo foi a forma encontrada de gravar o que não tinha espaço nas outras bandas? O metal é algo que ainda faz seus olhos brilharem?
Acho que sim, na verdade é uma necessidade, porque tem muita coisa que também seria forçado a gente botar de influência, tem coisas que não combinavam com o Shaman, mas sempre fui um cara que quis ficar compondo. Aí ficava muito material guardado, comecei a pensar: ‘po, acho que vou começar algum projeto’ porque não tem sentido fazer uma coisa heavy metal como projeto paralelo de heavy metal se já tenho uma banda de heavy metal.
Outro ponto seria fazer um disco instrumental, que não seria uma coisa natural porque não é um tipo de música que ouço muito. Então, a coisa que seria natural é o som que mais escuto e gosto bastante. Aliás, era já o que tinha desse material escrito.
Foi aí que comecei a ter ideia de ter um projeto sem muito rótulo, sem muita definição, mas que conseguisse botar todas essas influências de um jeito diferente que do que botava no Shaman, bem mais explícito na verdade.
O rock sempre teve um preconceito dentro de suas vertentes. Você acha que isso atrapalha na formação de um público maior para o gênero no Brasil?
Acho que tem muito preconceito, o medo de escutar. Entendo isso, fui um adolescente assim, que também não podia escutar algumas coisas, mas depois de um certo tempo, você fala: ‘ah não, é música né, música boa é música boa’.
Não sei se atrapalha assim, porque depois que você fica mais velho, pouca gente continua com esse pensamento, mas é difícil as pessoas tentarem conhecer uma outra coisa assim. Reparo bastante isso, é difícil você fazer uma pessoa conhecer outro tipo de música.
Acho que de certa forma consegui fazer algumas pessoas que nunca tinham tido contato com esse tipo de música, ter esse contato por eu ter vindo do heavy metal. Essas pessoas, por gostarem do meu trabalho, acabaram conhecendo esse outro trabalho e gostaram.
É um desafio grande, mas acho que atrapalha um pouco, acho que todas essas subdivisões atrapalham um pouco porque fica aquela coisa. Quem gosta de rock thrash, não pode gostar daquilo, quem gosta do gutural não pode gostar de uma voz tipo a do André Matos, etc. Acho que música boa é música boa em qualquer estilo.
Quando somos jovens temos esse sentimento de que quando gostamos de uma coisa, não podemos gostar de outra. Mas isso muda com o tempo, né?
Com certeza! Tem uma banda que gostava muito chamada Marillion, que escutava escondido para as pessoas não verem que eu gostava. Tinha uma banda de thrash metal, como que gosto de thrash metal e gosto de uma banda de rock progressivo? Mas isso é coisa de quando tinha 14, 15 anos, depois se percebe que não tem sentido.
Falando sobre o The Last Dance, como foi o processo de gravação do álbum? Teve algo diferente ou algum desafio maior na comparação com os seus outros discos solo?
Compus a maior parte das composições durante a pandemia e aí deixei tudo guardado e comecei a produzir mesmo no começo do ano. Peguei todas essas ideias que tinha e comecei a gravar. Em termos de gravação, gravei a maioria, com exceção da bateria que o Edu Cominato gravou. Ele gravou no estúdio dele e me mandava a bateria, enquanto gravava do meu estúdio o resto das coisas.
Tive algumas participações de alguns músicos em algumas músicas, mas na maioria das partes, gravei tudo aqui no meu home studio. Tenho estrutura pra poder, principalmente, pesquisar timbre sem ficar pensando em horário e comendo hora de estúdio. Então é uma coisa que ajuda bastante, você ficar pesquisando e achar timbre diferentes.
Os singles de The Last Dance trazem composições introspectivas, como Ghosts, que fala do fantasma do bullying e problemas familiares. De onde vem essas inspirações?
É uma mescla, algumas letras têm coisas pessoais, outras são de histórias que a gente lê, assuntos que estão em alta. Esse lance do bullying fico impactado quando tem aqueles ataques em escolas. Você começa a pensar em muita coisa.
Gosto de ler bastante, então você vai absorvendo algumas coisas, tem muitas coisas que você vê. This Town, uma música do disco, fala sobre os problemas de uma cidade grande, pessoas que moram na rua e são separadas das famílias para morar em abrigos, lugares diferentes com crianças. São coisas que você vai escutando e lendo e vem de uma forma natural na hora de você escrever uma letra.
Você acredita que é possível retomar as atividades do Shaman no futuro?
Da outra vez que a gente se separou, eu falei que nunca mais ia voltar, mas acabou voltando. Então nunca falo ‘nunca mais vou voltar‘. Mas, assim, a curto prazo não penso nisso, penso em fazer alguns shows deste trabalho. Tenho um trabalho de trilha sonora em séries e filmes e vou concentrar nisso, tirar um pouco disso da cabeça.
Foi uma coisa muito turbulenta depois de um disco que a gente fez com muito esforço durante a pandemia, fazer uma pré-produção via internet com um produtor alemão, foi um trabalho muito grande que me empenhei demais e, de repente, aconteceu tudo aquilo que aconteceu e a gente separou a banda.
Quero esfriar minha cabeça, pensar em outras coisas agora, não tenho pensado nisso porque quero concentrar nessas coisas que te falei.
Quais são os três álbuns que mais impactaram na tua formação como músico? Por que?
O primeiro é Master of Puppets, do Metallica, que foi um disco que ganhei de amigo secreto, acho que em 1986 mesmo. Quando comecei a tocar guitarra, o Metallica era a banda mais importante pra mim, então muito do jeito que toco até hoje tem muita influência. Não só do Master of Puppets, mas dos outros também. Toda essa época, Bonded by Blood, do Exodus, resume uma época importante.
Outro disco muito importante, que ouvi após parar de tocar nessa banda de thrash metal, foi Clutching at Straws, do Marillion. Foi um disco que me influenciou bastante nessa época também.
Ok Computer, do Radiohead, foi o disco que mudou completamente a maneira de eu pensar em música. Ouvi e pensei: ‘não é possível que neste ano os caras estão fazendo um disco desse que até hoje eu ouço e falo, cara isso é muito’, são aquelas coisas que vão ficar pra sempre.