Sabemos que o machismo é eminente em qualquer área, por isso, resolvi escutar as mulheres que fortemente resistem na cena do rock da Baixada Santista.
Com muita satisfação, entrevistei Karina, vocalista da banda Ela+3, que tem um lindo trabalho classificado como rock alternativo. Além do som autoral, a banda possui covers do rock nacional e internacional.
Andrea, mulher LGBTQ+, baixista da banda O Último Banco do Bar, também cordialmente cedeu entrevista para o Blog n’ Roll.
O som do Último Banco do Bar traz referências musicais do rock, samba e indie rock. Mas eles mesmos dizem que são versáteis e preparam o público: “(…) Não estranhe se escutar um pouco de brega ou um trecho de baião nas composições desse Último Banco(…)”
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Felizmente, após pesquisar bastante achei praticamente o impossível nos dias de hoje na Baixada Santista: uma banda majoritariamente feminina. Sim, senhoras e senhores, eu estou falando da Noite Cinza, banda que assim como a Ela+3 tem traços do rock alternativo, mas também vaga pelo post hardcore. Deixo aqui registrada minha gratidão pela atenção e disponibilidade. Agora, vamos ao que importa…
Como é a cena do rock na Baixada Santista?
(Isis – Noite Cinza )
A cena é muito diversificada em estilos, desde rock mais clássico até misturas mais modernas. Mas faltam mulheres no rock santista. Conhecemos algumas bandas que têm vocalistas ou baixistas mulheres, mas com predominância na banda, como nós, infelizmente não conhecemos.
(Amanda – Noite Cinza)
A cena é bem diversa em “vertentes”. Se parar para analisar deve ter pelo menos uma banda em cada estilo.
(Karina – Ela+3)
Primeiramente gostaria de agradecer em nome da banda Ela+3 pelo convite. O rock na Baixada Santista infelizmente já tem suas panelas. Muitas vezes vemos os mesmos picos chamando sempre as mesmas bandas, sem dar oportunidade para outras que estão aí na luta só começando.
E também têm muitas pessoas, até mesmo amigos, que reclamam por não rolar nada por aqui, porém quando tem, essa mesma galera não cola nos shows para fortalecer a cena. O que é muito triste. Aqui na Baixada temos poucas bandas com integrantes mulheres. Eu pelo menos consigo contar nos dedos as que conheço ou já ouvi falar.
(Andrea – O Último Banco do Bar)
Sobre a cena especifica do rock: Ela é bem difícil. Encontramos muitos preconceitos escancarados e perpetuados. Num geral, eu ainda encontro muitos eventos e grupos onde é dificílimo o diálogo.
Entretanto tenho o “privilégio” de estar numa cena independente onde o movimento é outro, sabe? Nesta cena encontrei um acolhimento muito maior como mulher e LGBTQI+.
Me sinto confortável em ser quem sou, não só por parte das mulheres e LGBT’s presentes, mas também por tantos homens que não toleram nada do tipo.
Como é ser mulher e ter uma banda?
(Isis – Noite Cinza )
Por vezes, muitas portas são fechadas e normalmente somos colocadas numa ”caixinha” de rock feminino. Adoramos nos unir com outras mulheres, mas sempre somos esquecidas quando o assunto é rock em geral.
(Amanda – Noite Cinza)
Acredito que para todas nós é normal ser mulher e ter banda, porque no palco ou quando estamos fazendo o nosso som, o importante mesmo é a música, mas no geral ainda não é assim.
(Andrea – O Último Banco do Bar)
Olha… No começo foi bem difícil, viu? Eu sou a única mulher da banda e como algumas coisas são naturalizadas no meio dos caras, me impor e desnaturalizar isto foi a parte mais complicada.
O Bruno e o Sam sempre estiveram (e estão) abertos para me ouvir e mudar, tanto as clássicas “piadinhas” sobre mulheres, quanto as homofóbicas. Já passamos por situações bem complicadas com antigos integrantes da banda e eu sempre pude contar com a parceria deles.
(Karina – Ela+3)
Sou a única mulher na banda e sempre fui tratada com respeito e igualdade. Nós mulheres estamos sempre na luta para conquistarmos cada vez mais nosso espaço e mudarmos esse pensamento retrógrado, seja ele na música ou em qualquer outra área.
Você classifica o meio do rock machista? Se sim, por que?
(Isis – Noite Cinza )
Tocamos juntas desde 2010, as coisas melhoraram muito desde então, fazemos parte de um circuito em que a maioria nos respeita e torce por nós, mas nem sempre foi assim. Muitas vezes sentíamos que na nossa vez de tocar era a hora em que os homens iam fumar ou tomar uma cerveja.
(Amanda – Noite Cinza)
Sempre foi, não só pela predominância masculina, mas por coisas simples como sermos classificadas como “rock feminino” ao invés de apenas “rock”.
Tocamos juntas há muitos anos e bastante coisa mudou nesse meio tempo, mas até hoje acontece de vermos um certo olhar de dúvida em relação ao que “somos ou não capazes de fazer”, como se tivéssemos que “provar” para quem não nos conhece que somos capazes de fazer música toda vez que pisamos em um palco.
(Andrea – O Último Banco do Bar)
Muito! É uma cena onde a presença do homem é caracterizada pelo “machão”, não é à toa que os movimentos alternativo e o emo foram ridicularizados. Qualquer pessoa que ameace esta imagem, seja ela mulher, LGBT ou um homem desconstruído, “prejudica”.
(Karina – Ela+3)
Um exemplo que posso dar sobre o machismo no meio do rock é o stage diving, que muita gente chama de “mosh” aqui no Brasil. Para quem não sabe, é o ato de pular de cima do palco em direção ao público. Isso costuma rolar muito nos shows de hardcore, inclusive eu mesma já fiz isso. Só que na maioria das vezes vemos muito mais homens do que minas, pois sempre rola aquele “medinho” de passarem a mão e se aproveitarem da situação. O que quase sempre acontece e eu infelizmente já presenciei.
Você já passou por alguma situação de machismo escancarado na música? Se sim, conta pra gente.
(Isis – Noite Cinza )
Escancarado não, mas existem pequenos detalhes, olhares e situações que ainda nos incomodam. Boa parte do público tem a expectativa da figura da “roqueira sexy”. Amigas de outras bandas já relataram que sugeriram que elas utilizassem roupas que atendessem ao clichê, o que pra mim é um absurdo, afinal cada um tem sua identidade e se veste e se apresenta como bem entender.
(Amanda – Noite Cinza)
Felizmente nunca passei por nada escancarado.
(Andrea – O Último Banco do Bar)
Uma vez enquanto esperávamos uma banda desocupar a sala de ensaio ouvi uma “piada” que mexeu muito comigo. Eu estava rindo com o Sam (guitarrista) sobre alguma besteira e o atendente pediu para um membro da banda que estava saindo da sala entregar o controle do ar condicionado para mim. Eu ouvi um “pra namorada do vocalista?” e o atendente, que já havia dito, repetiu “para baixista da banda”.
O indivíduo começou a dar gargalhadas e disse que banda nenhuma deveria ter uma mulher como baixista, porque precisava ter o que só homens têm. Na hora eu travei. Minha vontade era de falar um monte de coisa, mas não consegui.
Um outro atendente, respondeu “em que ano você está cara pra achar que falou algo engraçado? Ela é a baixista sim, entrega o controle que vocês já atrasaram muito a banda”.
Foi uma das situações mais agoniantes que passei. Mas respirei e continuei. Continuo! Eu ocupo o lugar que quero estar, por mais difícil que seja.
(Karina – Ela+3)
Por sorte ainda não passei por nenhuma situação de machismo na música, não que eu me lembre, e espero nunca passar por isso.
Se você pudesse deixar um recado para a cena do rock da Baixada Santista, qual seria?
(Isis – Noite Cinza )
Meu recado, na verdade, vai para as mulheres. Para as que tocam, sabemos que não é fácil, mas não desistam. Incentivem suas amigas que tocam a não desistir e cada vez mais ocupar os espaços. Para as que gostam de ouvir, compareçam também aos shows (quando acabar o isolamento rs), infelizmente vemos cada vez menos meninas presente nos eventos.
(Andrea – O Último Banco do Bar)
Melhorem como seres humanos e aprendam com a cena independente. O rock, a música e a sociedade estão perdendo espaço pros preconceitos enraizados. Ainda falta MUITO, mas a gente chega lá.
(Karina – Ela+3)
Precisamos dar mais valor às bandas novas e à cena underground. Afinal, as bandas de sucesso de hoje também já tiveram suas primeiras oportunidades.
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