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Songs of a Lost World e a “dança cansada com a idade e a resignação”

Mesmo com o reconhecimento midiático e com uma forte inclinação a produzir, sob encomenda, hits radiofônicos e singles cantarolantes para serem tocados à exaustão em shows de porte mundial, nunca faltou para o The Cure, enquanto banda, e para Robert Smith, enquanto artista, o elemento principal para atingir o ápice de uma condição de melancolia: a angústia. Não é diferente em Songs of a Lost World, o novo álbum da banda (leia mais abaixo).

Os rapazes britânicos, que começaram como um trio de amigos de acordes tímidos no final dos anos 70, nunca foram muito de se acomodar, tanto no som quanto na forma dos integrantes. Quase sempre maquiados, com cabelos desgrenhados, subiam nos palcos com uma variedade de estilos que sempre se sobressaiu, alternando entre o post-punk frio e calculista de álbuns como Seventeen Seconds, Faith e, principalmente, Pornography, com a sonoridade diametralmente oposta de quem queria abraçar todos os sentimentos do mundo, ao invés de se livrar deles, e escalar o topo mais alto da montanha, um sentimento que prevalece por parte de Kiss Me Kiss Me Kiss Me e Wish. A convivência direta desses dois estados de espírito destoantes não demoraria a ditar o ritmo e compor a energia dos sons da banda.

Apesar de ter tido inúmeras variações de formação, a mais icônica e mais lembrada entre os fãs de longa data pode ser conferida no filme-concerto chamado The Cure in Orange, dirigido por um colaborador da banda, Tim Pope, em 1987, em um raro registro com Smith e seus cabelos curtos (ele entra com peruca no palco, não poderia ser diferente) e as presenças agregadoras de Lou Tolhurst no teclado e Pearl Thompson tocando uma série de instrumentos. Simon Gallup, baixista quase totalmente fiel, e Boris Williams, na bateria, completavam os sonhos mais perfeitos de fãs, antigos e novos.

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Aos poucos, mais precisamente em 1989, com o lançamento do álbum Disintegration, o vocal foi sendo suprimido pela longa duração e a atenção dada à manifestação instrumental, que compunha quase um registro de cinema, em que Smith mesclava poesia com falas sussurradas, em um mundo de fantasia e abstração povoado por emoções dolorosamente reais, de uma banda de música.

A banda possuía, agora, Roger O’ Donnell, um membro que passou a integrar constantemente as formações bagunçadas e desorientadas do Cure, no teclado. Nesse álbum, Smith se expressava com tanto pesar que era possível deduzir que o vocalista não queria incomodar o ouvinte com suas lamentações.

O som de cada instrumento passou, então, a oferecer um tipo de abrigo ao ouvinte que o líder da banda se sentia frágil demais para cultivar. A faixa de abertura desse álbum se chama Plainsong, e inaugurou uma “onda” (que está presente no mais último lançamento deles) de canções expansivas, densas e exigentes com nome genérico. Talvez seja difícil mesmo descrever de um jeito eloquente algo que mexe tanto conosco.

Songs of a Lost World e a “dança cansada com a idade e a resignação”

Dezesseis anos de espera podem fazer você desistir por completo de uma pessoa, um objeto ou uma lembrança que você quer manter por perto. O tempo não é muito gentil com as nossas expectativas, mas, às vezes, não importa os quão pessimistas nós sejamos, alguém está se movendo invisivelmente e tornando um sonho possível, mesmo que publicamente essa pessoa faça joguinho e negue veementemente tudo o que é perguntado, ou, quando se cansa de negar, mente, fala coisas sem a menor noção de se comprometer, ou então sem sentido algum.

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Desde que lançou seu esquecível 4:13 Dream, em 2008, Smith vinha brincando e, claramente, se divertido (ainda que tenha sentido culpa em ter sido relativamente desonesto, segundo ele mesmo) em aproveitar aparições públicas para criar um grande mistério em torno da concepção de um álbum que, independentemente de suas falas, já estava sendo formado ao vivo, sob os olhos do público, em shows, com seis canções novas que foram sendo concebidas para todos verem e ouvirem, por diversas vezes, entre 2018 e 2022. Era uma situação curiosa, porque todos queriam se apegar ao momento, mas o momento era negado ou constantemente adiado. O que era o momento, nesse caso?

Se o tempo foi uma constante na concepção de Songs of a Lost World, que inicialmente parecia ser uma continuação do disco de 2008, parecia um pouco óbvio que, tematicamente, o disco poderia falar sobre a passagem das estações, da resiliência e sabedoria que vem com a espera.

Sua gestação foi fruto da contemplação do trabalho de Smith e companhia, que demorou a ser feito e teve tempo o suficiente para ser modelado exatamente como seus integrantes queriam, o que talvez seja um grande privilégio, um alento aos fãs que viram os shows e se mobilizaram para a conclusão do disco e o consequente trabalho de divulgação como nos velhos tempos pré-Spotify, e também foi um reflexo de tempos pandêmicos, conforme Smith disse em entrevista às mídias oficiais da banda.

O vocalista perdeu o pai, a mãe e o irmão em um curto espaço de tempo. O luto e o pesar, apesar de existirem em Disintegration, Pornography e até no relativamente subestimado Bloodflowers, de 2000, nunca foram a razão de ser de um disco. O sofrimento não era palpável apenas no jeito de cantar ou no sentido de vestir a roupa do que você está sentindo. Na verdade, aqui, o sofrimento é um componente de algo muito maior.

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Para a faixa de abertura, a já ensaiada, tocada e premeditada Alone, Smith disse que, assim que eles tocaram ao vivo e gravaram em estúdio, soube que seria a primeira música e o single principal do disco. Segundo ele, se você sabe como começa e termina um álbum, o restante do trabalho está basicamente encaminhado, porque achar o que preencher dali em diante é meramente instintivo. Os primeiros versos da letra (“This is the end of every song we sing”) foram diretamente tirados de um poema do poeta inglês Ernest Dowson, Dregs.

Apesar das referências e individualidades do cantor, que costuma comandar o conjunto em praticamente todas as demandas de estúdio, esse foi um trabalho de esforço coletivo. Claramente, o Cure, por mais que nunca tenha tido uma identidade exatamente fixa, nunca funcionou tão bem quanto banda.

Esse foi o primeiro trabalho do guitarrista Reeves Gabrels como guitarrista oficial da banda, considerando que ele chegou em 2012. Seu entrosamento é imediato, e seu som é bem característico. A irregularidade do seu timbre funciona perfeitamente com o tom monolítico da banda, e a bateria estourada, com ambições épicas, de Jason Cooper, também é um achado. A música tem poucas notas de teclado, e se aproxima um pouco da pegada bem atmosférica de Plainsong, carro-chefe de Disintegration.

Aos que esperavam algo mais pop, comercialmente acessível, para não dizer que tudo são cinzas, a terceira canção, A Fragile Thing oferece um sopro aos ouvidos de quem esperava ouvir algo próximo à sonoridade do álbum Wish mais uma vez, fazendo alusão direta à energética faixa From the Edge of the Deep Green Sea, com destaque para o som retumbante do baixo de Simon Gallup.

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Ao longo do disco, as temáticas vão se consolidando: se é tudo sobre perda, não há ganhos? A resposta é que, sim, há. As duas primeiras músicas compostas por Smith para esse álbum, Alone e a monumental Endsong (não há outra palavra para descrever a segunda faixa mais longa da história da banda) são peças intensas que constroem e rapidamente destroem o que ofereceram ao ouvinte, sem muito pudor, mas há uma conformidade em entender o presente na “flutuante”, bastante etérea, no melhor sentido atribuído às grandes faixas de dream pop e shoegaze, All I Ever Am, com uma introdução de teclado que remete bastante à faixa Touched, do My Bloody Valentine.

Também há uma canção dissociativa, e um pouco fora do propósito do disco, que mais parece sobra de material da era pós-Wish, especificamente do disco Wild Mood Swings, de 1996. O nome da música é Drone:No Drone, e é caótica de uma maneira que faz com que acabe soando um pouco avulsa no contexto.

Possivelmente, minha favorita é I Can Never Say Goodbye, canção que Smith escreveu diretamente para o falecido irmão. Ele chegou a se emocionar cantando nos shows, e é totalmente compreensível. É de uma carga emocional intensa, e começa com barulhos de chuva, o que é um bom sinal para os fãs de Cure. É uma faixa melancólica, certamente, mas que não transborda sentimento além do que deve. Eu enxergo o luto exatamente dessa forma.

Com oito músicas e duração total de quase 50 minutos, Songs of a Lost World representa a sonoridade de um mundo em suspensão, onde não há o agora, mas há espera. É sobre saber que tudo transita de um espaço a outro, de um tempo a outro, mas o resultado vem, e a espera de anos se transforma em meses, semanas, dias, segundos, minutos, até se tornar a própria definição do momento.

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Robert Smith, espertamente, já deu pistas dos próximos passos do Cure. Se ele está falando a verdade ou se a estratégia faz apenas parte do jogo de quebra e aquecimento de expectativa, não tem jeito, é preciso deixar o calendário se manifestar.

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