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Entrevista | 509-E – “A juventude negra ainda está morrendo”

“Falei: irmão, se for pra gente voltar e fazer showzinho, deixa quieto”. Foi o que disse Dexter ao Afro-X quando decidiram retornar aos palcos para trazer shows do 509-E, com a turnê Vivos. Assim, o duo dos anos 1990, famoso por expressar a realidade do cárcere em suas letras, não mediu esforços para preparar uma mega produção.

Com a ajuda do público tudo ocorreu no mais alto nível na comemoração dos 20 anos do lançamento de seu primeiro CD: Provérbios 13.

“Foi eletrizante! Casa lotada com 3,5 mil pessoas, na Audio, em São Paulo. Foi como dividir o palco com os Racionais em 2000. Sensação de ressurreição. Tinha artistas presentes da cena do rap, como Gogh, Rappin Hood, ADL da nova geração. Várias pessoas vibraram com o projeto, foi como nosso primeiro show. Foi da hora também ver o reencontro de gerações. O pai que curtia nosso som e o filho que curte rap atual”, comenta Afro-X sobre o primeiro show da turnê, que rolou em 24 de agosto passado.

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A tal ressurreição da dupla em grande estilo foi o que impulsionou a indicação deles ao Prêmio Quinto Elemento na categoria “melhor show”, e logo depois foram contemplados com a votação popular e ganharam o título.

“Ganhamos o prêmio considerado o melhor show do ano, sendo que fizemos só uma turnê de quatro shows. Mas foi visto como um grande espetáculo. Ficamos surpresos que poderíamos ser indicados e ganhar”. 

Surpresa com o Lolla

Mais surpresos ainda ficaram quando foram convidados a se apresentarem no Lollapalooza 2020. Eles vão tocar no dia 5 de abril. “Eu recebi o e-mail e pensei: nossa que loucura! Eles viram nosso primeiro show e para nos chamarem devem ter visto um espetáculo”, destaca Dexter.

Ao receber a notícia, Afro-X embarcou em um momento de reflexão. “Satisfatório dividir com meu parceiro de infância sonhos que tínhamos naquela época e na prisão. Foi ver que tudo valeu a pena. Não foi nada fácil chegar a esse momento. A gente conseguiu se superar de várias maneiras, sem esquecer da onde a gente veio. Estamos vivos para narrar nosso momento do cárcere que é a realidade de vários jovens. A juventude negra ainda está morrendo”, alerta.

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Os integrantes ainda ficam muito honrados de poderem “levar a voz do rap “autêntico dos anos 1990” para o Lollapalooza. E para Dexter, o fato do público presente não ser o mesmo de shows que fazem geralmente para a favela traz uma sensação diferente. 

“Para mim é a visibilidade, dialogar através da música com pessoas que a gente não dialoga, porque ele não é um festival feito para favela. Levar questionamentos e consciência para essas pessoas, que geralmente não escutam nossa música. O rap pode informar também”.

Reatar laços no 509-E

Para chegarem a essas conquistas, a dupla Dexter e Afro-X passou por um período de anos sem se falar, até tudo virar “águas passadas”. Dividindo a cela 509-E no antigo Carandiru, em São Paulo, eles produziram o primeiro CD e conseguiram sair da prisão cerca de 150 vezes para fazer shows, com a ajuda da iniciativa Talentos Aprisionados.

Quando Afro-X conquistou sua liberdade, o 509-E lançou seu segundo e último trabalho, MMII DC (2002 Depois de Cristo). As atividades foram encerradas em 2003. 

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“No passado, aconteceram várias situações. A gente foi no programa do Serginho Groisman (TV Globo) e tivemos um debate com uma autoridade e não podíamos mais sair para fazer show. Eu saí mais cedo da prisão pela minha condenação ser menor. Dexter foi transferido, eu não tinha como visitar ele por causa do regime semi aberto. Foi um período difícil, colocavam as pessoas uma contra as outras. E eu e ele tínhamos necessidade da construção da carreira solo também. Foi bom para nosso crescimento”.

Amizade

Entretanto Afro-X relata a falta que sentia de seu amigo e do legado que criaram juntos. Foi então que resolveu procurar Dexter. “Ele é uma pessoa de liderança assim como eu. Fui insistindo e consegui mostrar para ele que tudo foi algo consensual. Que as nossas conquistas e objetivos são maiores que nossas diferenças”.

Em 2017 deram início a uma longa conversa para discutirem os problemas. Após se resolverem, acharam que era uma boa ideia reatar os trabalhos do 509-E. 

“Passamos 2018 conversando sobre isso. Resolvemos voltar em 2019 quando completamos 20 anos, porque também tava tudo bem corrido para os dois. Desenvolvemos o projeto para presentear os fãs”, afirma Afro-X.

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Retomar os trabalhos ocasionou em revisitar o conteúdo produzido, que por muito tempo não teve atenção dos integrantes. “Ficou tudo jogado, tudo solto durante esses anos! Sentia que precisávamos consolidar o legado que criamos. Nosso conceito de vida também mudou, surgiram outras lutas como a das mulheres. Acredito que éramos um pouco machista. Isso fez a gente refletir sobre as letras”.

Futuro do 509-E

A turnê Vivos acabou em 26 de outubro passado. O show do Lollapalooza dá um gostinho a mais do duo. E daqui pra frente, Dexter explica que o 509-E fará shows pontuais que não atrapalhem as carreiras solos dos dois. 

Questionado sobre lançamentos de novas músicas da dupla, Afro-X responde: “por enquanto reticências. Mas tem muitas coisas pra acontecer. Pensa que o amor tem as etapas. Conquistar, namorar, casar e filhos. Ainda tem muita coisa para organizar e que precisavam ser divulgadas.

Na opinião do rapper, o segundo trabalho do 509-E, MMII DC (2002 Depois de Cristo), foi pouco divulgado. “Foi o momento que aconteceu a transferência do Dexter para Presidente Bernardes, atrapalhou totalmente. Queremos divulgar essas músicas que muita gente não conheceu”.

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Coletânea nos planos do 509-E

Se novos lançamentos não estão previstos, os integrantes esperam uma coletânea atualizada de suas obras. 

“O pessoal está nos cobrando novos trabalhos. Temos uma releitura da nossa obra original, com as bpm mais rápidas, lapidamos o conteúdo. Gravamos o show que fizemos em Porto Alegre para a turnê. Vamos nos organizar e lançar esse conteúdo de música. Tem a criação da marca também, com produtos. Mas vem toda a parte da documentação e burocracia…”

Para este ano, uma confirmação: o lançamento de um documentário. Afro-X afirma que imagens resgatadas de 20 anos atrás compõem o conteúdo audiovisual. 

“São coisas do passado que está sendo legal falar sobre e repensar. É bom quando você volta para sua base. Não existe um futuro sem passado.É gratificante ao extremo preparar o documentário. Também é contar a história para quem não sabe como foi, é forma de fortalecer as pessoas. O 509-E é um manifesto de mudança. Através das suas letras. Esse é o objetivo maior.Munição pra revolução”, pontua Dexter.

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Projetos solos

Afro-X coleciona novidades. Uma delas é o álbum Afro-X 20 Anos de Caminhada. Segundo ele, o conteúdo é a parte solo do 509-E, o “lado B”, como denomina, que é sua carreira solo e outras inéditas. A utilização dos elementos do trap estão confirmadas.

“A música Rala tem participação do ADL. E tem Bem Vindos a Selva, do WGI CH, do Consciência Humana e do Bad Tribunal Popular. Vai vir clipe das duas músicas. Um deles vai ser lançado esse ano. A gente está gravando”.

Ele tem lançamentos em carreira solo: o CD Das Ruas pro Mundo (2009) e Um Brinde à Vida (2017).

Dexter

Dexter este ano também entra em estúdio. “Amo anos pares. Será maravilhoso. E obviamente que músicas vão acontecer. Depois do Carnaval eu entro em estúdio. Tem muita coisa boa para acontecer. Tem um livro em produção sobre minha história também. Ah, vários planos. E continuo a visitar os presídios com o projeto itinerante Como Vai Seu Mundo. A iniciativa visa desmistificar a ideia de que preso não serve para nada. Ele consegue. Quero trabalhar, ajudar, eu quero contribuir com vida das pessoas”, explica.

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O artista anteriormente lançou o álbum Exilado Sim, Preso Não (2005), o DVD Dexter & Convidados em 2019, o álbum Flor de Lótus (2016) e o segundo DVD A Liberdade Não Tem Preço (2014).

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