A filosofia anti-machista e LGBTfóbica da Batalha do Caoz, disputa de rima que acontece semanalmente em São Vicente, foi registrada em documentário. A produção audiovisual foi feita por alunos do Instituto Querô, de Santos. O pré-lançamento aconteceu no último dia 20.
Em 15 minutos, foi possível captar a essência da batalha, e cada um dos quatro integrantes que falaram pelo Caoz: Gabitopia, Tavares MC, Meduza Braba e Smile. A previsão é que o mini doc esteja disponível na internet neste mês.
Lá vem spoiler da Batalha do Caoz …
No documentário, as regras da Batalha do Caoz são apresentadas. Imagens da disputa, o espaço para de microfone aberto e pocket show que realizam por vezes. Além disso, é retratado o surgimento e fundamento da batalha. A disputa acolhe mulheres e pessoas LGBT, pois é um espaço longe da cena machista do hip hop da Baixada Santista.
Segundo os organizadores do Caoz, a cena na região ainda tem predominância de homens héteros. E por isso, muitas vezes aparecem rimas opressoras, onde o oprimido não se sente à vontade. Uma fala no documentário marca muito esse pensamento “o que o hip hop busca desconstruir, eles estão perpetuando”.
E com o propósito de reverter essa perpetuação de rimas opressoras, e disseminar o verdadeiro propósito do hip hop, vulgo a união, que a Batalha do Caoz foi fundada. As batalhas são realizadas em frente ao teleférico de São Vicente.
Tavares MC
Na produção, podemos conhecer mais a fundo o impacto da disputa de rima, e o que ela significa para os idealizadores. Os relatos de Tavares MC, por exemplo, mostraram como a Batalha do Caoz fez parte da sua caminhada para se entender enquanto menino trans.
Ele conta que rimar é sua paixão, mas nas batalhas que frequentava sempre escutava rimas transfóbicas, machistas e homofóbicas. Um episódio que o marcou muito foi ter escutado uma dessas rimas lançadas por uma criança de 10 anos. Agora, o garoto chamado João, de 18 anos, conta com alívio como o Caoz foi importante para lutar contra essas posturas, e na sua transição.
“No começo eu estava com medo das perguntas, mas querendo ou não o Caoz é minha vida, então quando colocaram a câmera na minha frente, apenas contei minha história. E é muito louco, porque eu já pensei em desistir, me encontrei desanimado muitas vezes. Esses dias veio uma pessoa trans dizendo que se inspira em mim, e eu fiquei: caraca, como assim? É isso, o Caoz é evolução de ideias”. Tavares MC
Meduza Braba
As falas de Meduza Braba mostram que ela alcançou coisas que achava que não conseguiria, por causa de sua trajetória. Mas hoje, ela fala que voltou a estudar, consegue sustentar a filha e ter uma casa para chamar de sua. No documentário, ela conta que sua mãe foi em sua casa e comentou que estava muito orgulhosa das conquistas da filha. No vídeo, seus olhos brilhavam contando a situação. E o Caoz foi onde encontrou forças para sempre seguir em frente.
Smile
Já Smile, conta como a Batalha do Caoz foi fundamental para ela se encontrar em São Vicente, depois que mudou para o município. A garota rima desde criança, e para ela é como se as palavras saíssem naturalmente. Podemos ver isso no documentário quando aparece fazendo um freestyle na batalha.
Gabitopia
A MC acompanha o nascimento do Caoz, quase que no mesmo período do nascimento de seu filho. Ela ficou a cargo de falar sobre o sentimento de união. Posteriormente comentou sobre a realização de assistir ao filme.
“Fiquei feliz que o pessoal olhou pra gente com carinho, sabe? A princípio achei que iria demorar, que talvez nem rolasse, então eu desapeguei. Mas quando eu vi que foi, fiquei muito animada. A gente surgiu como a Batalha do Caoz, em dezembro de 2017, e percebemos que aquilo era muito incentivador, motivador um pro outro. Também decidimos montar a Crew, sendo eu, o João, a Smile, a Meduza, a Helen e a Luna. São caminhos diferentes, mas paralelos”. Gabitopia
Mensagem
O documentário mostra que o Caoz é, além de uma batalha e uma crew, um movimento. A crew também prevê o lançamento para o próximo mês de sua mixtape intitulada + Band, que contará com dez faixas. Será uma música de cada MC, duas faixas com feats e dois convidados.
Aplausos na Batalha do Caoz
Após a primeira exibição do mini doc, aplausos, muitos aplausos. A qualidade e o conteúdo são inquestionáveis. Com direito ao comentário da coordenadora executiva do Querô, Thais Badim Marques, de 40 anos.
“Um projeto que trouxe muito orgulho, por causa dos participantes. Isso deixou a gente admirado e contente. É um baita filme bom, e um tema hiper relevante. Eu mesma não conhecia. Eu tenho dois filhos e quero que eles cresçam escutando esse tipo de coisa”.
Origem do documentário
O documentário foi fruto do Programa Santista de Formação em Audiovisual da Querô Filmes, que é a produtora social do Instituto Querô. Ele foi aprovado no edital do Proac financiado pelo Estado de São Paulo, no qual inclui a realização de nove oficinas. O documentário do Caoz foi produzido na oficina de Produção Audiovisual, em apenas um mês. Cerca de 14 participaram de todo processo.
“Ele é fruto de várias aulas e a turma escolheu trabalhar com isso. Eles aprenderam como montar um roteiro, fazer a pré-produção e produção, técnicas de câmera e luz e muito mais. Foi tanta dedicação e conteúdo que o documentário ficou com 15 minutos. A gente previa um vídeo de 5 minutos. Mas como tinha bons depoimentos, conseguimos estender”. Priscilla Silva de Santana, de 27 anos, produtora executiva do Programa Santista de Formação em Audiovisual (PSFA)
A sugestão de fazer um vídeo sobre a Batalha do Caoz veio da produtora cultural Nanne Bony, de 31 anos, que também participou da oficina. Cada aluno fez uma proposta e todos escolheram uma.
“Eu já conhecia as meninas há um tempo, comecei a ver elas se juntando e se montando, e acompanho elas desde então. E foi incrível, muito bom que a galera abraçou a ideia. Porque o Caoz é um movimento de transformação social e eles se encantaram mais depois de conhecer” .
Aprendizados da Batalha do Caoz
Depois dos aplausos, os agradecimentos. “Conforme a gente foi ouvindo e gravando, fui desconstruindo muitas ideias. Foi um aprendizado muito grande”, falou Lais Cristina Mazagão de Oliveira, de 24 anos, que ficou na parte de produção do documentário.
Já Rosangela Borge, de 51, ficou na direção e conta que o sofrimento foi ter que escolher as falas que seriam colocadas no documentário. “Tínhamos mais de três horas de gravação, e tudo era importante. Ficava: meu deus. Não tem nada pra cortar”, relembra.
A estudante Jessica Mizukame do Carmo, de 22 anos, foi prestigiar o pré-lançamento e ficou encantada com o resultado. “ O Caoz fez muita diferença na minha vida. A ideia de ter um documentário sobre vai dar fruto para muita coisa”, aposta.