O rapper Lucas Boombeat, 26 anos, lançou seu primeiro disco Nem Tudo é Close na última sexta-feira (20). As músicas tratam de temas diversos ligados à vivência do artista. Enfrentar dificuldades, lidar com processos da vida, querer se sentir bem, mandar indiretas para algumas pessoas… Todos esses assuntos podem ser encontrados no álbum.
O mais recente trabalho conta com a participação de Gloria Groove, Bivolt, Ecologyk, Murillo Zyess e Harlley. Estes dois últimos artistas são integrantes do grupo Quebrada Queer, do qual o Lucas faz parte. Conversei com ele sobre todos esses assuntos, o papo tá sincero, pega a visão:
Qual é o motivo da escolha da música Nem Tudo é Close para intitular o disco?
Essa música veio em um momento de depressão. Eu estava em um momento delicado na minha vida. Foi logo quando eu comecei no rap em 2017. Saí do emprego, no telemarketing, e falei: é agora ou nunca, preciso viver da música. Só que eu era muito crítico comigo mesmo por não conseguir enfrentar esse medo. Escrevo desde pequeno, mas sempre tive medo de palco, era muito inseguro.
E eu comecei a pensar: pô, se eu nasci para fazer música e eu não consigo fazer o que eu amo, não tem porque estar vivo. Foi um momento muito difícil. Mas daí a arte, a música veio disso, da minha necessidade de me curar e de me jogar. E Nem Tudo é Close foi quando eu aceitei: ó, tudo bem, tá difícil as coisas, mas você vai superar. Nem tudo é close, nem tudo vai ser sempre ‘ual’, vai ter a dificuldade, sabe?
Depois que eu fiz as músicas, vi que era um disco com várias vivências minhas. Foi aí também que eu pensei no nome Nem Tudo É Close, foi quando eu falei: pô, também entra nesse lugar, não estou falando sobre só uma coisa, estou falando sobre várias. É um disco que eu trago vários estilos dentro do boom beat e em cada música tem muita interpretação.
Como foi o processo de composição do álbum?
Escrever as letras foi um processo natural. Descartei poucas coisas, pois não sou um artista que escreve muito. Escrevo pouco em momentos mais precisos. Tem uns hiatos meus que não saem nada, mas ao mesmo tempo eu entendi que eu continuo criando, porque continuo vivendo.
“O processo para fazer as músicas foi deixar ser natural. Sobre eu seguir o caminho, premeditar menos e sentir mais. Entender o que a vida está me mostrando e vê que é uma conversa com o Lucas e a arte dele. O quanto a vida do Lucas como a de várias outras pessoas não é só close. É muito mais do que uma coisa só. Nós somos muito dentro de nós mesmos”. Lucas Boombeat
E a escolha do visual do álbum, do preto e branco?
Eu quis estar nesse lugar do close, com uma roupa do close, o lugar do holofote, por isso aquela luz. Em algumas imagens eu mostro a dor, em outras eu mostro o close. Inclusive, a capa do álbum que eu coloco a mão na frente do olho é justamente sobre não ver onde eu vou chegar.
É sobre eu estar nesse game que é ser artista me equilibrando naquela pose. Me equilibrando nessa roda gigante que é ser artista, em que uma hora você pode estar lá em cima e outra embaixo. Em um jogo onde eu não sei onde vou chegar, a arte que vai me conduzindo.
E o preto e branco vem para trazer esse lance do atemporal. Eu sinto que o preto e branco te traz esse lugar de fora de um tempo específico. E sim que em qualquer momento que você for escutar, vai se identificar com aquilo.
As músicas trazem isso também, fala sobre relações, seja comigo mesmo como com a sociedade. E são relações que acontecem há muitos anos e acredito que acontecerão, infelizmente, porque ainda estamos no processo de melhora para os LGBTs.
A faixa Prettygosa foi para alguém em específico?
Na verdade, ela é sobre o feminino em si. Eu me inspirei em todas as representatividades de feminino que tem minha volta e que tem em mim mesmo também. Sinto o feminino muito forte em mim, o ‘ela’ nunca foi algo que me incomodou.
Na verdade, não foi algo que nunca me incomodou, é que de uns tempos pra cá fui me identificando, pois por conta de todo o machismo, a gente acaba renegando, até mesmo enquanto uma gay.
E eu quis passar isso de uma forma empoderada, quero que quem escute sinta orgulho desse feminino ao acordar. Tanto que é um disco que estava pronto há um tempo e Prettygosa era aquela faixa que eu colocava quando queria sentir bem.
Ela serviu muito no meu processo de “ninguém me abala”, de eu sou muito foda justamente pela minha feminilidade. Eu tava com meu look toda feminina, colocava Prettygosa no fone, e quando eu pegava o metrô nada me abalava.
E a participação do Ecologyk veio nessa de eu querer trazer uma faixa mais pra cima. Foi a última música a ser feita. Eu já tinha feito uma participação no álbum e ele sempre demonstrou gostar do meu trabalho.
E as demais participações no álbum?
Gloria Groove. Com cada um foi um processo diferente! Com a Gloria eu lembro que foi na marcação do instagram. Teve um post do tipo ‘quem que você quer fazer um feat um dia’, eu marquei ela e ela respondeu: Demorou, vamo!
Eu não perdi tempo, tava nesse processo de compor meu EP na época. Fui no estúdio no dia seguinte e disse: olha, eu quero um sample da Pantera Cor de Rosa, porque a personagem tem essa história dos LGBTs se identificarem. Tem toda uma história por trás e eu quis trazer isso para o instrumental.
A gente gravou no mesmo dia que a gente gravou com o Quebrada Queer, na música que ela faz participação.
Murillo Zyess. Foi a penúltima música do álbum a ser feita. Eu sempre achei ele muito debochado, por isso que a faixa se chama Deboche. Disse: quero falar da hipocrisia dos machos, mandar uma indireta para algumas pessoas, e depois falar foda-se para todo mundo.
Harlley. Foi a música mais rápida que eu fiz, levou menos de 15 minutos. Eu estava em casa, era sete da manhã, olhei para o céu e estava azul. Ouvi um beat e senti que ele falava comigo, e escrevi. Depois falei: isso está a cara do Harlley, é um R&B e ele vai “chegar chegando”.
Bivolt. É porque ela é minha irmãzona e eu sou muito fã dela. Ela é uma das minhas maiores referências hoje. E era uma música que eu iria rejeitar, estava inseguro. Mas ela ouviu e disse que queria participar. Aí ela gravou e eu gravei a minha parte.
Como foi estrear em um álbum solo?
Antes do Quebrada Queer todos os integrantes já tinham essa vontade de fazer trabalhos solos. Na verdade, a gente não ia ser um grupo, era para ser só uma música. A gente se juntou para poder criar forças, para fazer a primeira cypher gay. Sabíamos que ia fazer um barulho, mas não da forma grande como foi. Vimos que deu tão certo e continuamos juntos, mas sempre tivemos planos de trabalhos solos.
Foi meio complicado lidar com os dois ao mesmo tempo. Produzir um álbum e ao mesmo tempo produzir e cumprir agenda para o Quebrada Queer. Tanto que esse ano não pretendemos lançar nada, vamos focar nos nossos trabalhos solos. Só vamos fazer shows, porque não dá para dar a devida atenção para os dois.
Quem é o artista Lucas Boombeat e tem algo que ele quer alcançar?
O Lucas Boombeat é uma conversa entre o Lucas e sua arte. É algo superior a mim mesmo, a minha arte caminha comigo, não sou eu. Quando as pessoas escutam o Lucas Boombeat elas tem que entender que é uma conversa com o Lucas. São denúncias muitas vezes, desabafos.
Mas também são coisas que ele canta para ele mesmo se fortalecer, para ele mesmo acreditar naquilo. Acho que o Lucas Boombeat não tem um lugar onde ele queira chegar. Acho que é muito mais entender o processo, sobre continuar caminhando.
Mais do que me ver em algum lugar, quero me ver cantando sempre, acho que o Lucas Boombeat quer se ver sempre vivo. Eu canto para me sentir vivo, para ter alguma razão para estar aqui, porque é única coisa que eu me vejo fazendo. É uma complexidade falar onde eu quero chegar, eu quero continuar sentindo os sinais da vida e aprendendo com isso. Acho que o Lucas Boombeat é aprender consigo mesmo.
“E também o Lucas Boombeat é a concretização do corpo negro, gay e de quebrada, hoje não mais, mas vim de quebrada. E é um grito para as pessoas entenderem que é um ser humano aqui falando ‘oi eu existo’, e falando para todo mundo que o que nos faz iguais são as nossas diferenças”.
Lucas Boombeat
O álbum completo Nem Tudo é Close está disponível nas plataformas digitais. Acompanhe o trabalho do Lucas Boombeat pelo Facebook e Instagram.