O rock com biquinho: Johnny Hallyday

FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
(Dedico esse artigo aos amigos Miro Antunes e Carlos Brizolinha, cults santistas)

Tão improvável ouvir, sentir, dançar rock em francês com charme tímido que no Brasil poucos ouviram e cultivaram Johnny Hallyday, esse pseudônimo que soa tão americano quanto as palmeiras de Miami. Mas existiu e com força planetária o rock galês sim! E sua maior expressão foi esse senhor esquisito franco-belga tão típico quanto a baguette parisiense e os pintores de Montparnasse…

Rester vivant foi seu primeiro clássico nascido pop: talvez quando o rock é cantado com inflexão doutra língua se torne outra coisa, não? Rock com sotaque lusitano, por exemplo, é o ritmo ele mesmo ou reinvenção doutra matéria afluente do rockão original? Mas durante mais de 50 anos esteve lá Hallyday com guitarra em punho, hurros para motivar a platéia e uma ginga de quem se aventura numa estrada até Marselha.

Nenhum povo é tão ciente de sua cultura quanto o francês e foi uma barra pesadíssima introduzir Elvis na terra de De Gaulle: imaginem que infâmia seria um astro vestido de James Dean, amigo de Hendrix e Jimmy Page implantando o yê-ye-ye com as mesma ousadia da Jovem Guarda eletroacústica no Brasil!

Não é que Hallyday encarnou Chubby Checker cantando Viens danser twist (Let’s Twist Again) desbancando a tradição de Maurice Chevalier e Edith Piaf nos palcos francófonos? Logo da Martinica até o Tahiti todos ouviam rock sob a espada de Joana D’Arc e bailando do Quartier Latin até a Tulheria!

Hallyday com seu rosto sinuoso e talhado era, então, tão onipresente nas artes francesas quanto Brigitte Bardot e Goddard! Se ouvir Retiens La Nuit vai lembrar da atmosfera de Celly Campello e da telenovela Estúpido Cupido: um rock docinho, meigo, duma ingenuidade com ares de Doris Day na Promenade sob o sol de Cannes ou Nice.

Nenhuma cançoneta foi tão popular quanto J’ai oublié de vivre: entoada em qualquer bistrô desse mundo ainda fofo fez de Johnny mais um Roberto Carlos ou Odair José (pasmem) do que um Elvis Presley dos arrondissement. Sim, porque Hallyday foi se tornando gostosamente uma caricatura de seu tipo, um refém pouco inventivo de sua personalidade insólita.

Como sempre repito a fronteira entre o cult e o kitsch é só um mal passo….Hallyday era um ícone literalmente: termo aliás tão mal empregado. Ícone, na verdade um significante carregado de significados…

O mais tocante na partida do roqueiro foi a despedida altura dum chefe de Estado concedida por Macron diante de milhões de fãs reverenciando esse menestrel das massas. Na França é assim: o Estado, a República se rendem ao talento tanto dum poeta como Cocteau quanto a um artista pop. A Arte é levada a sério por representar a alma dum povo.

Da minha parte fica a lembrança do Hallyday ator num filme estranho e magistral: Uma passagem para a vida, dirigido por Patrice Lecont e que tem título original O homem do trem, mais adequado. Só por essa pequena obra-prima Hallyday justificaria sua habilidade nas telas . Nesse último artigo de 2017 ouço para me inspirar o hit De L´Amour para saudar essa excentricidade: o discreto charme do rock francês. Ainda que minha faixa preferencial do seu repertório seja o operístico Diego. Hallyday uma legenda imortal.