Poesia e Rock #11 – A trilha sonora da ditadura

Poesia e Rock #11 – A trilha sonora da ditadura

ADEMIR DEMARCHI

Quem se lembra de Demis Roussos? Morreu ano passado, em janeiro, era um cantor grego de vozeirão que tocava muito à época da ditadura, existindo como uma espécie de bonecão de ventríloquo na cena pop televisiva. Ter 15 anos naquela época nos anos 1970 e ouvir esse cara e outros do mesmo estilo era pedir para cortar os pulsos… Fim de tarde batia um deles na rádio e em seguida vinha a “hora da Ave Maria”. Era o crepúsculo, o fim. Felizmente muitos sobreviveram. Dos que ouviram isso, digo.

A música mais conhecida de Roussos era Forever and ever, uma canção de amor por uma improvável mulher, muito mais uma balada de amplificação eterna da solidão, especialmente porque aos 15 anos não há uma mulher que se ame do modo que se descreve na canção, pois há apenas uma vida inteira pela frente como uma solidão eterna, além da metáfora associável à eternização dos próprios militares que repetiam no Brasil a regra da América Latina: militares dormem de farda.

É curioso um clipe com Roussos cantando sozinho num palco vazio em que é visto de vários ângulos e, com aquele vozeirão, parece falar para uma morta na amplidão, que não o vê, que não aparece. Ainda que parecesse uma canção de amor, o efeito era contrário, pois na letra ele diz a uma mulher que sempre e sempre, eternamente, de forma repetida, ela será a única, o fim do seu arco-íris, e acrescenta uma expressão enigmática: sua consolação…

Mas havia outros…

Havia David Mc Lean, com We said goodbye, cuja letra dizia que a mulher jamais encontraria outro que a amasse mais que ele, assim como ele também… Diferentemente de Roussos, porém, Lean era brasileiro, assim como Christian, Morris Albert, The Pholhas, Michael Sullivan… Sullivan era pernambucano e se chamava Ivanilton de Souza Lima…

https://www.youtube.com/watch?v=7NTpHrVH2as

Essa geração de compositores e cantores conseguiu a proeza de fazer sucesso no Brasil e fora, não apenas nos países latinos mas até mesmo nos Estados Unidos, pois cantavam em inglês para um mercado ávido por isso, apesar de toda a Jovem Guarda tentando falar a língua da juventude com os modismos da época, porém em língua nacional.

Os Pholhas cantavam coisas como My mistake (meu erro), sobre um cara que matou a mulher e foi para a prisão; She made me cry (Ela me fez chorar); ou Tell me once again (me diga mais uma vez, da qual Ney Matogrosso gravou uma paródia divertidíssima, Calúnias – Telma, eu não sou gay).

https://www.youtube.com/watch?v=WNCDwGUTGP8

Os Pholhas, com esse nome esdrúxulo e tudo, existem até hoje, cafonizaram ainda mais aquelas gravações, tentando sobreviver, tentaram cantar em português mas não deu muito certo, viraram cantores de eventos, assim como Dave Mc Lean sobreviveu se encostando na leva da música “caipira”.

Mas marcaram época e é notável terem gravado uma canção de Elton John, Skyline pigeon, estranhíssima naquela época. Isso porque, sob a ditadura, fazia um ruído curioso. Com o país com liberdades suspensas, presos políticos, assassinatos como o jornalista Herzog, entre tantos naquela década de 70 eles cantavam, logicamente em inglês, “livre-me de suas mãos/ deixe-me voar para terras distantes/ sobre campos verdes, árvores e montanhas/ flores e fontes em florestas/ para casa, pelos caminhos da via celeste/ pois este quarto escuro e solitário/ reflete uma sombra cheia de tristeza/ e meus olhos são espelhos/ do mundo exterior/ pensando no caminho/ que o vento pode virar a maré/ e essas sombras mudam/ de púrpura para cinza/ para um simples pombo/ sonhando com a abertura/ esperando pelo dia/ em que ele possa abrir suas asas/ e voar novamente/ voe para longe, pombo, voe/ em direção aos sonhos/ que você há muito deixou para trás/ deixe-me apenas acordar de manhã/ com o aroma do feno recém-cortado/ para sorrir e chorar, para viver e morrer/ no brilho do meu dia/ eu quero ouvir os sinos ressonantes/ de igrejas distantes/ cantarem/ mas, acima de tudo, por favor me livre/ desta dolorosa argola de metal/ e abra esta gaiola voltada para o Sol”.

https://www.youtube.com/watch?v=fcSvqIb1oXY