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Poesia e Rock #24 – Um dia depois: só o rock salva quando tudo vira bosta

ADEMIR DEMARCHI

Eu havia prometido ser um bom menino, ia apenas ficar falando de poesia, de inocentes haicais, pois tendo ido a Maringá, visitei papai e mamãe, fui à Sputnika (a Catedral de 110 metros de altura na forma do foguete russo), fiz as oblações àquele monumento de concreto à inconcretude, fiz os salamaleques todos, mas não dá. Um dia depois, poderia dizer que foi a abstinência do ótimo chope artesanal que lá entubei que me fez mudar de ideia e voltar a falar de coisas que irritam quem me lê.

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É que, um dia depois, tudo se dissipa, pois parece que Brasília quer governar nossas mentes e corpos, atendendo a uma crescente onda de conservadorismo que indica querer nos levar a uma nova ditadura. Daí que esqueço da poesia. Essa onda de Brasília passa pelo obscurantismo religioso, certamente, representado nas levas de evangélicos eleitos que lá assentaram (mas não só), de vez em quando lideradas alegremente por aquele Infeliciano que age como um bobo da corte palaciano quando abre a boca para dizer o que julga que pensa (?!?).

Aquela maldita capital de fantasia só produz más notícias, parece existir para gerar ganhos sobre o sofrimento e nem precisamos falar de hoje, basta retroceder a 2013, por exemplo, quando parece que se abriu a Caixa de Pandora e libertaram-se todas as maldades que não cessam de nos ameaçar. Naquele ano se deu o cancelamento de criativa e bem humorada campanha de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis entre prostitutas e a consequente exoneração do seu mentor, Dirceu Greco, expert no assunto, professor da UFMG, que sabe muito sobre saúde pública e a situação das infestações de doença no país, tratadas por aqueles outros como originadas do pecado e não da falta de prevenção e informação, que são ações de governo.

Não é a primeira vez que isso acontece. Na época em que a AIDS grassava com o enlevo potente que grassa hoje o evangelismo obscurantista e superficial baseado na ideia simplista de um deus, de pecado, bem/mal, deus/diabo, tentaram impedir de todos os modos ações criativas como a distribuição de seringas e camisinhas a viciados e grupos de risco sexual. Naquela época como hoje esses grupos agem como se estivessem defendendo e protegendo a sociedade e a família na versão arcaica romântico-religiosa que têm dela, quando, na verdade, estão agindo em favor da mortandade e da repressão obscurantista que leva às ditaduras, à simplificação do pensamento e à restrição da liberdade, forçando um país que é laico a ficar discutindo questões de políticas de governo sob o ponto de vista religioso.

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O mesmo se dá com relação às drogas, quando se defende sua repressão e a continuidade do mercado negro que forma imensas riquezas ilegais neste país, estimula a corrupção e põe o Estado, representado em inúmeros policiais agindo em conluio com quadrilhas. Daí que só me resta voltar à poesia deixando os leitores com uma letra de rock ótima pela síntese de assuntos e ideias, da Rita Lee, muito, muito atual: “Tudo vira bosta”.

“O ovo frito, o caviar e o cozido/ A buchada e o cabrito/ O cinzento e o colorido/ A ditadura e o oprimido/ O prometido e não cumprido/ E o programa do partido/ Tudo vira bosta…/ O vinho branco, a cachaça, o chope escuro/ O herói e o dedo-duro/ O grafite lá no muro/ Seu cartão e seu seguro/ Quem cobrou ou pagou juro/ Meu passado e meu futuro/ Tudo vira bosta…// Um dia depois/ Não me vire as costas/ Salvemos nós dois/ Tudo vira bosta…/ Filé ‘minhão’, ‘champinhão’, ‘Don Perrinhão’/ Salsichão, arroz, feijão/ Mulçumano e cristão/ A Mercedes e o Fuscão/ A patroa do patrão/ Meu salário e meu tesão/ Tudo vira bosta…/ O pão-de-ló, brevidade da vovó/ O fondue, o mocotó/ Pavaroti, Xororó/ Minha Eguinha Pocotó/ Ninguém vai escapar do pó/ Sua boca e seu loló/ Tudo vira bosta…/ A rabada, o tutu, o frango assado/ O jiló e o quiabo/ Prostituta e deputado/ A virtude e o pecado/ Esse governo e o passado/ Vai você que eu ‘tô cansado’/ Tudo vira bosta…”

Hasta la vista, baby, nos encontramos nos esgotos desta vida…

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