FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
Um roqueiro clássico, um erudito da guitarra, ninguém se aproximou tanto no rock da música de vanguarda quanto o essencialmente experimental Frank Zappa: Mister improviso, mago das variações, mestre da provocação híbrida entre todos os gêneros. Zappa está para a música da segunda metade do século 20 assim como Steve Jobs para inovação cibernética.
Seu primeiro álbum tem quintessência do que viria: é sua Sagração da Primavera, grito de estranheza virtuosística desse apreciador de Stravinsky. Sua destreza inovadora sempre o deixaria a margem do maldito circuito comercial. Isso até soa meio clichê: Zappa seria assim mesmo arquetípico do detonador de lugares comuns: rock para refletir, nuances para destoar do entretenimento fugaz. Freak Out estava bem na atmosfera daquele 1968 mítico. A América que pensa tinha agora seu DJ erudito.
Elementos múltiplos de som, imagética cinematográfica, perfomance detalhista sem perder impacto do milimétrico improviso: Zappa sempre me remete a Kubrick no auge nessa mesma época.
A indeterminação de gênero, estilo, a orgiástica miscelânea de efeitos, o conteúdo visceralmente contestador com criatividade estética incomum fazem de Zappa o papa da tranZmodernidade: surreal, dada, meio Calder no ar e Anton Webern no guitarrismo poeticamente concreto.
Há um conceito em cada álbum, desafio por todo sustenido, chegando ao cúmulo do despojamento em The Man from Utopia: carreira existencialista exemplar dum artista ainda a ser decodificado.
Existe uma pegada perfeita para a genialidade de Zappa e seu caleidoscópico universo de referêncialidades, citações, intertextualidades e evocações artístico-filosóficos: a canção bárbara Apostroph que o guinda ao ápice da pós modernidade popCult.
Conhecedor profundo da poesia e música concretas nele o termo “arranjo” é exponenciado de maneira davinciana para que o rock fosse apenas veículo de invenção e recebesse em troca subsídios para todas gerações de roqueiros que viriam. Mais do que o recheio, o tal conteúdo, era a preciosa experiência que contava para esse Frank meio Duchamp meio Harpo.
Sim sim! Zappa foi um fenômeno também tecnológico, supremamente eletrônico, mas nas entrelinhas das notas quânticas havia alma em cada alinhavado instrumental: espírito extraído dessas composições que fascinaram Stockhausen e fizeram no amigo e parceiro do diabólico Pierre Boulez!
The Perfect Stranger para mim tem mesma força ao ouvir John Cage, o minimalismo mais degustativo de Glass, o jazz de Keith Jarret ou qualquer clipe do Pink Floyd: ser conduzido por Boulez é para os raros!
Zappa era esse raríssimo lobo da estepe. Debruçado à mesa de som feito um cientista, o intérprete de estranhezas delineava construções que seriam caras a toda musica de invenção pós beat: erigia com intuição construtiva o rock concerto, a transposição sinfônica para o metal pesado. Não à toa Zappa é o sonho de consumo intelectual de todo poeta hipster.
Engajado fico a imaginar Zappa nesse mundo Trump & Tea Party; amado na Europa, imagino na luta diante da crescente xenofobia no Velho Mundo. Nos sombrios anos 1980 ele nos daria sua incursão mais radical no centro da bizarrice: Thing Fish, álbum corrosivo, satírico, gótico hightech. Zappa deslimitado não teve sucessores altura, – talvez só em outras artes continuem explorando sua senda de curiosidade atômica, engenhosidade nuclear.
Um rock de elipses, curto circuitos, inflexões inesperadas, colagens de elementos díspares! Recorro a um pensador talhado para pensar Zappa: “As pessoas fortes não são as que ocupam um campo ou outro, é a fronteira que é potente. Ver as fronteiras, isto é, fazer ver o imperceptível”.
Quem mais que Deleuze definiria Frank? Se não fosse difícil para quê criar o que parece hermético aos sentidos preguiçosos? A mensagem de Zappa está altura da obra de seu conterrâneo Thoreau, libertário, sedutor, irredutível! Zappa!
“Não existe arte inacessível, sim publico despreparado”, ecoava Maiakovski. Aposto que ele curtiria a beça Mister Zappa. Imperdoável seria esquecer que o compositor de Baltimore era super admirado pelo não menos genial Gilberto Mendes, que tinham em comum mesmo amigo Pierre Boulez e a música das esferas! Saudo-te como faço com Walt Whitman! Poeta Zappa!