MARCELO ARIEL
E o Prêmio Nobel de Literatura de 2016 foi para o autor de Tarantula e de Chronicles. Tarantula foi traduzido por Paulo Henriques Britto, o mesmo tradutor dos livros de Thomas Pynchon e Philip Roth e lançado pela Editora Brasiliense e Crônicas foi lançado no Brasil pela Editora Planeta,ambos estão esgotados e certamente serão relançados em breve, por causa do prêmio_____
Detesto purismos, preconceitos e patrulhamentos, muitos dos que protestaram contra a premiação de Mr. Bob Dylan se esquecem de olhar a árvore genealógica da poesia, do fato dela ter nascido como uma irmã siamesa da canção, basta uma pesquisa em trovadorismo e o entendimento das raízes da palavra ‘Soneto’. Este Nobel se não fosse para Bob Dylan, poderia ter ido para Leonard Cohen ou Patti Smith ou anteriormente poderia ter sido entregue para John Cage ou Lou Reed.
Existe é claro, uma diferença entre Bob Dylan e Dylan Thomas, mas o próprio Dylan Thomas consideraria esta diferença infinitesimal, como é infinitesimal a diferença entre Caetano Veloso e Wally Salomão. Aos que se sentiram indignados com a escolha da Academia Sueca, lembro que este mesmo tipo de preconceito disfarçado de indignação, ecoou quando os dramaturgos Dario Fo e Harold Pinter foram premiados. Disseram os patrulheiros da época que eles não estavam à altura de um Thomas Mann ou de um Andre Gide.
Pinter respondeu que “era apenas um artesão da palavra, sem muita importância e com uma fama desmedida e enganadora, que suas peças poderiam ser lidas como o que são e não como algo menor do que são e que achava uma grande injustiça o Nobel não ter sido concedido, in memorian, ao também dramaturgo William Shakespeare”.
Guardadas as proporções, a comparação é um péssimo artifício, evoco a paráfrase, as canções de Bob Dylan podem ser lidas pelo que são e não como algo menor do que aquilo que são. Acho uma grande injustiça que antes dele o Nobel não tenha sido concedido para Cole Porter ou Stephen Soudhein.
A poesia pousa onde quer e vai para lugares jamais antes imaginados. A palavra R.A.P. é uma abreviação para “Ritmo & Poesia”, mas ainda não apareceu nenhum Bob Dylan do R.A.P. e quando ele aparecer, certamente estará na lista dos indicados ao Nobel de Literatura.
Utilizando-se esta mesma lógica aplicada para conceder o Nobel de Literatura deste ano, para mim, seria extremamente lógico e nítido que em 2017, o mesmo Nobel de Literatura fosse para Jean Luc Godard ou para Alejandro Jodorowski.
Não será difícil e nem tão distante assim da realidade que o primeiro Nobel de Literatura para um brasileiro seja dado para Chico Buarque de Holanda. O caminho está aberto, como dizia Deleuze, não existem direitos, existe apenas jurisprudência. Será algo da ordem do maravilhoso e uma grande expansão para os domínios amazônicos da poesia.
Se as fronteiras entre a canção e o poema desaparecerem para todos e não apenas para uma camada mais sensível e inteligente chamada ‘O Povo em Geral’, desde a cena proustiana em que minha mãe está cantando ‘As rosas não falam’ , enquanto lava a roupa no tanque que sabemos,eu e meu clone-fantasma, que tais fronteiras são tão inexistentes quanto as que se insinuam hoje entre a casa e a rua ou a rua e um site.
Objetos e seus usos
Os bancos de papelão artesanais, feitos pela designer Gabriela Mameluca, poderiam ser dispostos em praças públicas, para a criação de um esboço & topologia para assembleias comunitárias onde o ‘Povo em geral’ deveria decidir sobre a vida econômica e política da cidade, mas isto exigiria, uma proximidade maior com os conceitos de democracia e de vida livre dos gregos e estamos mais próximos do oposto disto, um misto de cesarismo de quinta categoria misturado com coronelismo tardio de ricos & classe média alta igualmente estúpidos e semianalfabetos culturais. Fascismos de esquerda ou de direita, se alternando e em breve, não existirá mais povo capaz de decidir, apenas massa, para saber a diferença, leiam MASSA E PODER de Elias Canetti.
Nota final
“As estruturas de comportamento e afetos das relações mais íntimas. É onde estão as chaves. Vivendo a verdade e produzindo experiência aí é que podemos saber o que faz a guerra e o que faz a graça no próprio mundo. Nossos erros mais subjetivos e nossa loucura pessoal mais íntima, desde que diante de alguém, são os mundos verdadeiros onde é possível aprender, mesmo que de modo difícil. Em profundidade, ou intensidade, aí estão as estruturas vivas suas e do outro, pareadas, igualadas, como em um espelho, que não é nada menos que a própria vida. O olhar que nos vê nesta hora é a luz de possíveis e do que de fato move. A este deslocamento chamamos de amor, trabalho que paga com o melhor”.
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*Autor do livro Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio, Marcelo Ariel nasceu em Santos, em 1968 e vive em Cubatão. Poeta, performer e dramaturgo, é também autor dos livros Tratado dos anjos afogados (Letraselvagem 2008); Conversas com Emily Dickinson e outros poemas (Multifoco, 2010); O Céu no fundo do mar (Dulcinéia Catadora, 2009), A segunda morte de Herberto Helder (21 GRAMAS, 2011); Teatrofantasma ou o doutor imponderável contra o onirismo groove (Edições Caiçaras, 2012) entre outros.