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Poesia e Rock # 4 – Rimbaud, Jagger e Veloso

FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
Foto: Anak Albuquerque

Rimbaud! Seu aniversário deveria ser sempre dia santo! Para todo poeta e roqueiro dia santo! Bardo, devasso, incontrolável, Rimbaud está na base do dístico do não menos maldito poeta paulistano Roberto Piva: “Não existe poesia experimental sem vida experimental”, – e o que motiva bandas e performers senão a curtição da linguagem serpenteando no palco ou no fundo de porões suas obsessões?

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O estado dum artista visceral é catarse criativa de suas neuroses escandindo letras na decantação elétrica de suas notas….O romântico alemão Schelling dizia que na base da inspiração está uma “loucura controlada”. Aquilo que numa das mais deliciosamente literárias! Canções de Lou Reed ele nos diz: “Já que você não pode ser Shakespeare, nem pode ser Joyce! / Há um pouco de magia em tudo que cria e alguma perda para equilibrar tudo”, em Magic and Loss, evocando despedidas em tempos de aids, em que nos despedíamos dos mais lindos roqueiros e Rimbauds.

https://www.youtube.com/watch?v=X0jHPRO98lM

Lânguido Rimbaud que estaria pelos prados melancólicos de Nick Cave entoando Into my Arms ou nas areias do Iêmen com The boy with the arab strap, do Belle and Sebastian. Rimbaud seria indie? Hipster? Talvez lumpersexual! Talvez até camp! Rimbaud na estrada com baixo e guitarra: “A gente não parte. Retoma o caminho, e carregando meu vício, o vício que lançou raízes de dor ao meu lado desde a idade da razão, e sobe ao céu, me bate, me derruba, me arrasta. Por ora sou maldito , tenho horror da pátria. O melhor é um sono bem bêbado na praia”.

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E preciso repetir esse poema – conceito tão caro a Jim Morrison : “O melhor ( o melhor de tudo! ) é um sono bem bêbado na praia”. Rimbaud como ninguém instaurou o reinado da “atitude” na esfera do talento: arriscar tudo para sorver o cálice amargo da devoção. Dá-me um corte na bateria no sintetizador de perceptos e eis que decodifico o que seja esse diferencial na poesia e rock: o diabo da personalidade potencializando o valor artístico dum astro siderado.

Recorro a releitura dum putaaaa livro de cultura musical para esse link Rimbaud – Star System: Verdade Tropical, de Caetano Veloso, – como surgiu o fascínio pelo rockão e seu glamour cultivado feito estilo comportamental. Naquele 1968 antológico diz o tropicalista: “Houve uma descoberta importante no show business inglês para mim naquela estada: os Rolling Stones. Esse grupo em que eu não prestava atenção enquanto estava no Brasil e que só conhecia de gravações, ao ser visto me arrebatou. A bem dizer, minha opinião sobre os Stones, antes de eu deixar o Brasil era semelhante à de Ned Rorem: igualmente comparativa e desfavorável em relação aos Beatles. Em Londres, vi de Led Zeppelin a Tiranosaurus Rex, de Incredible String Band a Pink Floyd, de John&Yoko a Hendrix, de Dylan a The Who. Mas os shows dos Stones eram o teatro dionisíaco. Eles entravam no palco e logo se estabelecia uma atmosfera que era a mais viva demonstração de entendimento do espírito da época e o mais forte estimulo para ampliar suas conquistas. Mick Jagger parecia uma labareda de significados cambiantes. Ele era uma mulher, um macaco, um bailarino, um atleta, um moleque, um poeta romântico, um tirano, um doce camarada. A inteligência saia pelos poros”.

Mítica, carisma, empatia sem indulgência, o artista-labareda: de Jung a Barthes o xamã ou símbolo imantado, que outra definição que não a “caetanesca” para essa minha digressão entre o cometa Rimbaud e Jagger e além deles o totem do artista que é superior a soma de todas as partes do seu talento? O rock é suprema imanência, fome! Tentar espalmar o céu feito Prometeu aos hurros diante o cosmo indiferente…. Se Morrison é o arquetípico profeta rimbaudiano, os Stones e sucedâneos em menor escala ( só essa diante deles é possível ) são epígonos do poeta estradeiro e dissapado no desbunde.

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Arredondo essa reflexão com poema de Temporada no Inferno ( manifesto da desordem dos sentidos ) para essa mega ligação: “Se tenho gosto, é quase só / pela terra e pelas pedras / Meu almoço é sempre o ar / a rocha, o carvão, o ferro. O lobo uiva entre a folhagem / cuspindo as bonitas penas / da sua comida de aves / como essa me consumo. Ó estações, ó castelos! Que alma é sem defeitos?”

Flávio Viegas Amoreira
Escritor e jornalista
flavioamoreira@uol.com.br

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1 Comment

1 Comment

  1. Yuri Raskin Pospichil

    22 de outubro de 2016 at 11:45

    Que delícia de texto, Flávio! ! Rimbaud, Jagger, Caetano, Lou…deuses!

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