ALESSANDRO ATANES
Foto: Fundação Arquivo e Memória de Santos
Quem já se sentou à beira das docas sabe que as cidades com portos nos estimulam com o desejo de partir, de conhecer outros cantos, e, ao mesmo tempo, castigam-nos com a nostalgia de não embarcar em navio algum. Narciso de Andrade nos contou isso nestes versos dos mais lindos da língua:
Com tanto navio para partir
minha saudade não sabe onde embarcar.
Na soul music, parente mais velha do rock, um pouco desse sentimento ouvimos na canção Sitting on the dock of the bay, de Otis Redding e Steve Cropper, que deu nome ao texto anterior e volta neste aqui desde a primeira linha. A primeira estrofe pode-se traduzir assim:
Sentado sob o sol matinal
sentado estarei quando chegar a noite
vendo os navios vindo
então os vejo de novo indo.
A quantidade de navios a que se refere tanto o poema quanto a canção é a natureza da cidade portuária, centro de distribuição. É essa a função de Santos nesta outra canção de outro parente mais velho do rock: The Coffee Song, de Bob Hiliard e Dick Miles, lançada em 1946 na voz de Frank Sinatra, também conhecida como algo assim: “Eles têm café de montão no Brasil”, um verso recorrente da letra.
O tema, lógico, é o café, então e por muito tempo o principal produto de exportação brasileiro, o que é levado ao exagero pela letra:
Nem chá nem molho de tomate
Você não verá purê de batata
Os fazendeiros lá em Santos todos dizem não não não…
https://www.youtube.com/watch?v=H3MqmV47Lq8
“Os fazendeiros lá em Santos” pode parecer um erro, mas não, não, não, não é. Podemos ler o verso como se o porto, por metonímia, a parte pelo todo, desse nome – ou reunisse em torno de si – as três pontas do eixo formado por fazendas/centro receptador/corredor de exportação, isto é, a ligação entre interior, São Paulo e Santos garantida pela ferrovia e por ela tornada espaço econômico, nó dos caminhos entre as nações, uma esquina do mundo.