Poesia e Rock #62 – A insuperável beleza do ser

FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA

A beleza só compete com a sabedoria como atributo da eternidade: ambos predicados disputam primazia da busca infinita pelo Paraíso Perdido.

Barganhar a alma com o diabo pelo conhecimento e pela decadência sempre adiada: quase sempre a fonte de todo encantamento corresponde ao límpido, inatingido, o jovem de todas as coisas, o culto ao corpo refletindo um universo proporcionado.

O mito “faustiano” recorrente dos predicados de Adônis e Afrodite: formosura primaveril, fertilidade, deslumbre das formas foi narrado magistralmente no arquetípico Dorian Gray de Oscar Wilde, que já nasceu pedindo adaptações no século que viria no cinema.

Em minha arqueologia imagética, assisti ao menos três grandes filmagens: a de 1945 dirigida por Albert Lewin, com Hurd Hatfield e o inesquecível Georg Sanders. Clássico gótico, simbolista, obra-prima do “dandismo” na sétima arte, esse cult movie causou furor por abordar ainda que com sutileza aspectos provocativamente malditos de Wilde: lascívia gay, o humor fescenino e ambientação de antro ao universo decadentista.

O culto da beleza desde o Éden carrega androginia: os gregos não economizaram na ambivalência e sem exagero, Oscar Wilde foi o sacerdote supremo dos estetas. Onde tudo é metáfora de cultivo ao ornamento, erotização e afetação, Helmut Berger interpretou o mais perfeito Dorian, ainda que não dirigido por seu companheiro Luchino Visconti, esse Delon austríaco, marcou época pelas mãos de Massino Dallamano.

Apesar dos excessos, o Apolo wildeano parece dar sorte: Ângela Langbury do primeiro filme e Berger são veteraníssimos atuantes! Enquanto teço essas linhas recorro ao mestre Umberto Eco que partiu a pouco deixando estudo máximo sobre toda essa semiologia da exposição e do assédio milenar ao corpo: A História da Beleza e relendo não deixo de “linkar” essa harmonia entre virtude da alma com simetria das formas ao romance desse ídolo irlandês.

A beleza neles é proporção mas apelo também ao contraste: luxuria e despojamento, sacralidade do profano sem concessão a complacência, sem perder de vista valores do espírito, ainda que decaídos.

Dorian Gray pode ter equivalência no Discóbolo de Mínon ou no Fauno Barberini, no semblante de Sting, na silhueta de David Beckham… a Beleza é o que nos interdita, o que excede, sensorializa… Para fazer justiça ao irrealismo fantástico enredo do autor do Rouxinol e a Rosa, o cinema nos devia um tratamento pós-moderno do enfant terrible vitoriano: eis que em 2009 o super british Oliver Parker inova (questionavelmente) até no roteiro num Dorian Gray bem juvenil interpretado por Ben Barnes secundado pelo magistral Colin Firth.

Com todo enriquecimento de efeitos típicos de nossos tempos digitais e linda trilha de Charlie Mole , o filme faz juz a sensualidade do percurso da Beleza ao purgartório da carne. Sempre imaginei Dorian Gray em variações entre o sublime e o bizarro: feições de Durer, retratos dilacerantes de Francis Bacon e Lucien Freud e quem sabe um elenco mix de Eddie Redmayne (A Garota Dinamarquesa) e Liv Tyler (Beleza Roubada).

Não se pode perder de vista que o mito da Beleza passa pelo esforço anti horário retendo o viço que se perde driblando o bizarro: detalhes da fisionomia, dorso, torso esgrimindo com o tempo… talvez por isso Wilde notava por trás da Beleza suprema, inequívoca, algo de assombroso na retenção dum brilho fugaz, remoto e solto…