FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
Encontrar alta qualidade literária num musico pop não é algo corriqueiro, em Sting encontrei a beleza estupenda do rosto, a qualidade etérea do seu rock e toda poesia de suas memórias. Li com deleite Fora do tom essa autobiografia livre do cantos e editado no Brasil com toda qualidade da extinta CosacNaify em 2006 e que recomendo veementemente aos leitores e aficcionados no lindo bardo inglês.
Chegando aos 67 anos agora, dia 2 de outubro, esse cara precisa ser revisto como personagem múltiplo na cultura ocidental como artista e militante, talvez só empatando com Bono Vox em onipresença catalisadora de olhares e mentes nos últimos 40 anos de reinado musical e cênico.
Sting discorre sobre a gênese do músico num meio operário e pequeno burguês, a paixão por Jimmy Hendrix até os dois casamentos com Frances Tomelty e Trudie Styler começando imaginem onde? Numa noite carioca em 1987, – tudo que conta costurado com esmerada sinceridade e preciosa riqueza metafórica.
Indefectível, com qualidades ululantes, mas necessário esmiuçar seus talentos não contaminados pela indústria de massa. Sting embebido da velha tradição da poesia inglesa e irlandesa, com ótima formação em música erudita e culturalmente católico como afirmação de resistência num país anglicano que conota sua ácida delicadeza.
O que Sting nos diz em suas memórias é que roqueiros podem ser poetas, escritores, cultos, não seguir esteriótipo de alienados. Ler tranquilamente Shelley e ouvir boa música medieval sem perder o brilho da contestação criativa.
Message in the Bottle talvez seja a melhor expressão desse livro que começo comentar para o blog que é tanto isso: ligação entre rock e intertextualidade com outras artes. Desert Rose e Fragile são algo assim esmaecidas da era The Police, mas ouço para embalar essa leitura que recomendo…
Teus olhos instigantes
Ferroadas em meus sentidos
Balada ao vento quente
Entoando as nuvens que passam
[poemeto a Sting]
O lance perfeito
Serpenteava pela Frei Caneca pensando o que é uma cidade? O que faz pensar que uma cidade é aquilo que vejo? Não será a cidade por onde Artur passa e onde imagino estar Artur bebericando sem minha espera, olhando as garotas, fumando sem tédio por minha ausência? Parei de pensá-lo, ele voltou para Santos, surfando e agora retomo inventar outra metrópole. Sinuosa essa rua por quem ninguém dava nada e se inventa.
Um lugar são as pessoas que cruzam, cada boteco partícula dessa metáfora. Como a lembrança do pau de Artur, sua bunda com marca de sunga, o filete de caipiroska na baba pelo peito cabeludo. Não tão desatento com entorno: Por que São Paulo não é tão conhecida nesse mundo? Será por estar em latitude meridiano fora de mão?
Mesmo sem Artur por perto havia ali um despenhadeiro vale um platô onde meteram imensa avenida: mais um pouco iria me encontrar com Fiducia. Eu sem jeito com as mulheres, eu sem assunto com as mulheres, sem nenhuma astúcia com esse outra metade de toda gente do planeta. Por amor a Artur procurava por Fiducia. Notava com a pressa estar com casaco puído, os sapatos com alguma lama seca, não tivera tempo se deter no seu aspecto, seu estilo não era de afetação no trato e tinha largado qualquer contato social estiloso. Era só despojamento.
No fone de ouvido uma sonata de Mozart, por trás do vão do Masp, um café ralo ainda no hálito, – eu poderia ter pego um táxi, comeria o caminho e essa ansiedade, não correria risco de assalto, agora foda-se todo medo, meus créditos de celular, essa porra de guarda-chuva é um saco!
Ansiava pelo verão quando estaria livre dessa terra íngreme, solto e só com Artur numa praia abafada de gente e sensações onde pegar o dia a noite mesmo não indo além do mar em frente ao burburinho. Como começar com Fiducia?
Ela entretida com o deplorável mercado de estilo, moda, galerias, objetos fortuitos e me dizendo sobre os dotes de Artur para a passarela, as vernissages, tudo aquilo de que se compõem uma saison? Para mim que o criara como um filho decifrando os criptogramas da Divina Comédia? Os vinis de Chet Baker? Paciência da porra ouvir Fiducia e sua ignorância reflexa sobre o mundo dos homens…
Por que levaria esse recado que recomporia seu amor? Arthur estava pronto para retomar o namoro com uma imbecil de grife? Essa que o arrastava às baladas sertanejas regadas de gim de terceira? Por uma buceta trocaria nossas noites de Bach entre rodadas de rabo de galo em meu quarto sala entulhado da melhor poesia de Whitman? Não! Não seria esse Hermes das encruzilhadas do Baixo Augusta…
Três meses sem resposta e ela o esqueceria naturalmente na primeira temporada de Aspen! Não seria esse Pigmalião por tudo a perder em nome do bom mocismo esquálido das novas gerações! Entrei no bom e velho saguão no Hotel Jaraguá para filar seu banheiro decente entre mulheres de burcas e caipiras exitantes no saguão que guarda ainda algum charme de Errol Flyn…
Piquei o bilhete em pedaços felinos e fui curtir a madrugada comendo o melhor sanduíche de pernil do mundo, no Estadão…. aqueles livros ensebados que folheava já guardados para Arthur e seu futuro simbolista de hipster suburbano.
flavioamoreira@uol.com.br