FLÁVIO VIEGAS AMOREIRA
Foto: Camila Cara/Divulgação
Roger Waters faz juz ao batido conceito de lenda, porque a ideia de mito aí é embasada nisso: conceito, conteúdo, valor agregado ao ímpeto criativo. O músico tem a mesma influência que um Brecht para o rock, nos revela o tempo e suas demandas, uma plataforma de reconhecimento do mundo através da polifonia de sua música.
The Dark Side in The Moon e The Wall são como as produções de Guernica, de Picasso, ou mesmo as elocubrações sócio poéticas de T. S. Eliot. Algo de significação grandiosa, muralista, eloquente reverência criativa ao pensamento crítico. Impossível suspeitar de alguma ingenuidade por trás de algum acorde do Pink Floyd. The Wall é mais visceral, arrazoado contra todos os totalitarismos, os micro-fascismos e a estrutura repressiva no dia dia de nosso sistema.
Tudo na carreira de Waters é intencionalidade, engajamento, poder de comunicação a serviço da resistência. Que sandice imaginar jovens nos anos 1970 vaiando um ídolo que prega a luta contra todas ditaduras do planeta! Supor que o rock poderia ser fruído, cantado, delirado com sentimentos reacionários, rancor contra minorias, pruridos escrotos, conservadorismo nas arenas psicodélicas duma megalópole nos trópicos!
É uma questão estética óbvia acima de ideologias que rock e regimes totalitários não combinam e é dever de um militante libertário listar o perigo das ditaduras em seu germe, gênese, ovo da serpente….
Longe de mim um proselitismo tosco para o outro lado, mas considero que todo silêncio é reacionário como dizia Sartre e sempre importa a um roqueiro que por acaso pensa se indigna e teme a truculência fascista farejar quando uma platéia precisa ser lembrada….
Há dez anos concedi uma entrevista ao antológico e cult programa Provocações, de Antonio Abujamra, inesquecível mestre! Lá entre tantas irreverências esbravejo: “A juventude é reacionária”. Não poderia imaginar que seria além de poeta um profeta! Triste, não?