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Poesia e Rock # 7 – Facciamo L’Amore, Carlos Careqa

MANOEL HERZOG

Rilke, na maturidade de sua poética, trocou de língua: deixou o alemão nativo, passou a escrever em francês. Deve haver outro exemplo na literatura, lembro desse mas, pouco versado em Rilke, alemão e francês, minha opinião fica comprometida. Há um certo preconceito em achar que só se deve escrever na língua aprendida no peito da mãe, e que pra se meter a tradutor só vertendo uma obra estrangeira para sua língua matriz, nunca o contrário. Na América Latina muito poeta parnasiano escreveu em francês, hoje chove cantor balbuciando um inglês duvidoso. Nem Bandeira escrevendo em francês fica lá essas coisas. Morris Albert então, vixe.

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Este intróito é pra dizer quanto arriscado criar na língua do outro, o que não deve privar do prazer de superar as fronteiras do idioma, renegar a maldição de Babel que condenou a Humanidade a falar diferente e se confundir. Há línguas maravilhosas, graças a poetas maravilhosos. Assim é o italiano, mais especificamente o florentino, tornado italiano graças a Dante e sua Comédia.

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A canção popular talvez deva mais ao italiano que a qualquer outra língua, ressalva ao nosso português, que a música popular brasileira é a mais rica do mundo. De toda sorte, a década de 60 e o lendário festival de San Remo consagraram joias do cancioneiro italiano no imaginário universal, ao ponto de vários cantores mundo afora se arriscarem nesse idioma tão melódico per si. Roberto Carlos gravou em italiano. Chico Buarque, que viveu parte da infância na Itália. Vinicius, no antológico disco em parceria com Ungaretti. Estate, na voz de João Gilberto. Até para os adoradores de Legião (incluam-me fora, pfv) temos que o finado Renato Russo gravou aquele disco lá. E ainda Zizi Possi. Enfim, a lista vai longe.

Por tal lógica de achar estranho alguém se metendo em língua que não a sua, o disco novo do Carlos Careqa poderia ser mais um no desfile que citei acima. Mas não é. A originalidade do músico paranaense radicado nesta São Paulo italianíssima é a pedra de toque deste saboroso ensaio chamado Facciamo L’Amore. Careqa aborda cultura e idioma italianos com seu humor característico, clownesco. Ao mesmo tempo que brinda a genialidade do cancioneiro ítalo faz rir de nosso multiculturalismo confuso, no italiano macarrônico haurido das novelas globais onde se fala um misto de dialeto do Bixiga com sotaque carioca. E que faz o populacho achar que aquilo é italiano vero, veríssimo.

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O Brasil se abre pra uma era de inserção mundial, talvez agora refreada pelo golpe que nossa democracia sofre, mas é fato que nunca fomos tão citados, comentados, vistos pelo mundo. E nunca a respiramos tanto o pluralismo, nunca fomos tão cosmopolitas, nunca antes na História deste país. Até pra Europa os pobres estavam indo, a prestação, mas estavam.

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O disco do Carlos Careqa fala disso, do nosso direito de ser universal, viver numa megalópole multicultural, falar línguas. O músico, que já viveu em EUA e Alemanha, e transita pela cultura mundial com desenvoltura, sabe disso. Criou uma obra original, um CD em que se pode mergulhar fundo na lira romana enquanto se tem os pés bem plantados numa cantina de Sampa. Uma confissão de brasilidade, mas uma brasilidade voltada pra fora, pro mundo, que tem direito de se exportar, ser ouvida. E de rir de sua própria limitação.

Além dos sempre impecáveis arranjos de Mario Manga, pode-se ouvir contracenar, em participações especiais, Mafalda Minozzi, divina, na faixa principal, e ainda Anna Clementi, Bruna Caram, Celine Imbert, Mariano Deidda, além da interpretação memorável de Zeca Baleiro na linda Bacio d’amore, bacio di morte.

Distribuição, Tratore. Mas quem preferir o CD autografado pode obter diretamente com o autor, pelo email carloscareqa@gmail.com.

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