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Poesia e Rock - Vários

Poesia e Rock #9 – Uma turnê entre Santiago e Lima na poesia de Roberto Bolaño

ALESSANDRO ATANES

Início da década de 1970, ma camionete leva uma banda de rock em turnê por cidadezinhas do interior do Chile e do Peru. Essa épica adolescente roqueira latino-americana começa em Santiago e se enfileira em direção ao mágico norte até Lima para formar os versos de Los Neochilenos, poema inédito em português do escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003).

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Escrito entre 1993, o longo poema de versos curtos, muitas vezes com uma ou duas palavras, faz parte do Tres, livro com outros dois textos de prosa poética publicado no ano de 2000 em Barcelona pela editora Acantilado. Naquele mesmo ano, Bolaño escrevia simultaneamente Los perros românticos, publicado em 2010 pela mesma editora, e chegava à versão final de La Universidad Desconocida, sobre o qual trabalhava desde 1979. Inédito até 2007, esse foi publicado pela Anagrama com quase 500 páginas, reunindo partes das obras anteriores, inclusive Los Neochilenos.

Concluída um pouco antes do estouro de La Literatura Nazi en América (1996), Estrela Distante (1997) e Os detetives selvagens (1999), sua obra poética já trazia os temas que iriam dominar seus romances e contos nos anos seguintes até o romance-testamento 2666: a violência como traço característico da América Latina, em especial a praticada contra mulheres; a ligação entre o nazismo e as ditaduras do Cone Sul; a viagem e o exílio; a figura do poeta como detetive; e uma forma muito própria de homenagear seus autores amados, desde bastiões como Borges a pequenos burocratas das letras com bom coração.

Em nota ao livro datada de 1992-93, Bolaño conta que Los Neochilenos foi o “último poema que escrevi para a La Biblioteca Desconocida”. Aí, nesse poema que o autor escolheu para encerrar sua obra em versos, acompanhando a turnê dessa banda de rock, fazemos também um passeio pela obra deste que é considerado um dos mais importantes autores de língua espanhola.

roberto-bolanos

Deixando Santiago, conhecemos os nomes de uma série de cidadezinhas que ajudam a dar o tom melancólico da viagem:

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Estávamos prontos para atuar:
Pancho Relâmpago
E os Neochilenos.
Um pequeno fracasso
Como uma noz,
Ainda que alguns adolescentes
Nos ajudaram
A enfiar de volta na camionete
Os instrumentos: crianças
De Toco
Transparentes como
As figuras geométricas
De Blaise Pascal.
E depois de Toco, Pilpilco, Quillagua,
Hilaricos, Soledad, Ramaditas,
Pintados e Humberstone,
Tocando em salões de festa vazios
E bordéis transformados
Em hospitais de Liliput,
Algo muito, muito estranho que tivessem
Eletricidade, muito
Estanho que as paredes
Fossem semissólidas, enfim,
Locais que nos davam
Um pouco de medo
E no quais os clientes
Estavam de caprichos com
O fist-fucking e o
Feet-fucking,
E os gritos que saíam
Das janelas e
Percorriam o pátio cimentado
E as latrinas ao ar livre,
Entre armazéns cheios
De ferramentas oxidadas
E galpões que pareciam
Recolher toda a luz lunar,
Nos deixavam com os pelos
Arrepiados.
Como pode existir
Tanta maldade
Em um país tão novo,
Tão pouquinha coisa?
Por acaso é este
O Inferno das Putas?
Perguntava-se em voz alta
Pacho Ferri.
E os Neochilenos não sabíamos
O que responder.”

Uma das trabalhadores do bordel passa a acompanhar o grupo em direção ao “norte que imanta os sonhos e as canções sem sentido aparente dos Neocilenos” (em Os detetives selvagens, o tema se repete: os protagonistas, dois jovens poetas da capital do México, convidam para sua viagem ao deserto uma amiga prostituta que estava fugindo do cafetão). Pancho, em delírios de febre, muda o nome do grupo enquanto cruzam a fronteira com o Peru para Pancho Mistério e os Neochilenos:

Como um bando de ladrões,
Saímos de Arica
E cruzamos a fronteira
Da República.
Por nossos semblantes
Poderia-se dizer que cruzávamos
A fronteira da Razão.
E o Peru legendário
Abriu-se ante nossa camionete
Coberta de pó
E imundices,
Como uma fruta sem casca,
Como uma fruta quimérica
Exposta às inclemências
E às afrontas.

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Esse tom de desolação, de toda uma geração perdida (tema do romance Amuleto) encerra o poema, e toda essa fase de escrita poética de Bolaño, abrindo caminho para a colossal obra que começava a ser gestada:

Em um feliz dia de janeiro
Cruzamos
Como filhos do Frio,
Do Frio Instável
Ou do Ecce Homo,
A fronteira com o Equador.
Pancho então tinha
28 ou 29 anos
E logo morreria.
E Margarita 17.
E nenhum dos Neochilenos
Passava dos 22.

Referências:
***Roberto Bolaño. Tres. Acantilado: Barcelona, 2000.
***Roberto Bolaño. La Universidad Desconocida. Anagrama: Barcelona, 2007.

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