Entre os quatro integrantes originais do Ramones, Dee Dee Ramone era, sem dúvidas, o mais desajustado. No entanto, o baixista era a mente por trás de grande parte das letras do grupo mesmo após a sua saída em 1989.
Ao longo dos 22 anos em que a banda esteve em atividade, o músico evoluiu bastante na sua forma de compor. Por exemplo, ele saiu das composições que seguiam a fórmula “I Don’t Wanna…” para canções mais reflexivas como Poison Heart.
Infelizmente, Dee Dee Ramone partiu aos 50 anos em 5 de junho de 2002. Mesmo após anos de luta contra as drogas, uma recaída que ocasionou uma overdose de heroína foi a causa da morte do baixista.
Entretanto, seu legado continua vivo em diversas letras dos Ramones. Então, para homenagear os 17 anos do seu falecimento, selecionei cinco músicas que mostram o porquê ele foi um dos maiores letristas do punk rock/pop punk.
53rd & 3rd
O álbum Ramones (1976) tem diversas composições de Dee Dee Ramone. Algumas inocentes (Listen to My Heart) e outras provocativas (Today Your Love, Tomorrow The World e Blitzkrieg Bop). Contudo, nenhuma representa tão bem a “decadência” de Nova York nos anos 70 quanto 53rd & 3rd.
A letra fala sobre a rotina de um dos famosos pontos de prostituição masculina em Nova York. O cruzamento que dá título à faixa fica no centro do West Village, bairro que tinha uma vida noturna bastante agitada por conta dos bares gays que se concentravam na região. Bem como aos inúmeros garotos de programa que atendiam a esse público.
53rd & 3rd retrata os sentimentos de um jovem que faz ponto na região para se sustentar. Ao mesmo tempo, ele precisa lidar com a violência dos clientes e provar que não é um homossexual. Em partes, a letra é inspirada em experiências reais de quando Dee Dee precisou se prostituir para sustentar seu vício em heroína.
Wart Hog
Acredito que já ficou claro que o vício em drogas sempre foi um elemento comum na vida de Dee Dee Ramone. Entretanto, o baixista sempre que pode lutou contra esse problema. Principalmente, após afastamento de Marky Ramone dos Ramones por conta do alcoolismo. Ou após a morte de amigos próximos, como Sid Vicious do Sex Pistols.
Em uma das tentativas de “rehab”, uma terapeuta sugeriu que Dee Dee escrevesse canções românticas como meio de acessar seus os sentimentos. Contudo, o resultado foi a raivosa Wart Hog que aborda as dores de uma pessoa em tratamento de desintoxicação.
Em entrevista à Rolling Stone em 2002, Johnny Ramone comentou sobre a forma como o companheiro de banda escrevia e sua colaboração em álbuns como Too Tough to Die (1985). Na ocasião, o guitarrista lembrou como o baixista apresentava as suas músicas.
“Eu escrevia alguma palavra, por exemplo ‘Wart Hog’, e entregava para Dee Dee. Em seguida, ele vinha com uma música chamada Wart Hog e com uma linha de baixo. Ele abriria o caderno de letras e começava a cantar trechos que estavam na página”, explicou.
I Believe In Miracles
Brain Drain (1989) foi o último disco dos Ramones com Dee Dee Ramone na formação. O baixista apenas participou da composição e cantou a faixa Punishment Fits the Crime. Outros músicos foram contratados para a gravação, enquanto ele começava a trabalhar no disco solo de rap Standing on The Spotlight (1989) usando o nome Dee Dee King.
Entretanto, o álbum traz algumas das suas melhores composições. Por exemplo, o clássico Pet Sematary, inspirada no livro de Stephen King, e I Believe in Miracles. Ambas são parceria com Daniel Rey, produtor que participou de diversos trabalhos do Ramones.
Aqui destaco I Believe In Miracles por conta da sua letra impressionantemente pessoal. Isso fica claro logo nas primeiras frases: “Eu costumava estar no fim da linha/ Acredite em milagres, porque eu sou um deles/ Fui abençoado com os poderes para sobreviver/ Depois de todos estes anos, eu continuo vivo”.
Ao longo da letra, Dee Dee reflete sobre a vida que teve até aquele momento. Com isso, ele fala da sorte de ter uma banda e uma namorada que poderia ser chamada de um amuleto de sorte. E assim, ele diz acreditar em milagre e em um mundo melhor para todos.
Poison Heart
Em 1992, os Ramones lançaram Mondo Bizarro. Apesar de ser o primeiro trabalho sem Dee Dee Ramone, o músico continuava a contribuir com algumas composições. Neste caso, era uma forma de retribuir os favores após a banda tirar ele da prisão após problemas com drogas.
Novamente, o músico apresenta canções incríveis e pessoais. Strength to Endure e Main Man, novas parcerias com Daniel Rey, são ótimos exemplos. Entretanto, nenhuma é tão “coração aberto” como Poison Heart.
A letra agridoce reflete sua caminhada até aquele momento (pós-Ramones). Ao mesmo tempo que se gaba de ser um sobrevivente, Dee Dee acredita que todas as pessoas têm um coração envenenado. E por isso, ele gostaria de ir embora deste mundo.
Algumas curiosidades: Além de entrar na trilha sonora do filme Cemitério Maldito 2 (1992), Poison Heart tem uma versão na voz de Stiv Bators, amigo de Dee Dee Ramone e vocalista do The Dead Boys. A faixa aparece no disco póstumo Last Race (1996).
Born to Die In Berlin
Apesar de ter nascido em Fort Lee, na Virginia, Dee Dee Ramone passou boa parte da sua infância em Berlim, na Alemanha. Filho de um soldado americano com uma alemã, seu pai foi realocado para a capital alemã.
Em trechos do livro Coração Envenenado (1997), o músico conta como foi crescer em Berlim com poucos amigos. Por exemplo, um dos seus “passatempos” era visitar escombros de prédios da 2º Guerra Mundial e procurar por peças nazistas. Ele apenas mudou-se para Nova York aos 15 anos e anos depois conheceu os companheiros dos Ramones.
Adios Amigos (1996) conta com diversas letras incríveis de Dee Dee Ramone. No entanto, Born to Die In Berlin, a última faixa do álbum, acaba sendo uma mistura de memórias da sua infância e experiências da vida adulta.
Uma letra bastante densa, ao mesmo tempo em que expõe um lado bastante poético do letrista. Outro detalhe incrível: o músico participa da faixa cantando um trecho em alemão (gravado por telefone). Sendo assim, sua última colaboração em estúdio com os Ramones.