A cena punk rock no sul do Brasil tem grandes bandas e grandes nomes. Davi Pacote é um dos caras que tem uma importante colaboração para esse movimento de bandas de bubblegum/pop punk. Seja na linha de frente tocando com Os Torto e Big Stone Crew, ou produzindo várias artistas da cena no seu estúdio Hill Valley em Porto Alegre.
Conversei com Davi recentemente sobre sua história dentro do punk rock. Do início acompanhando shows de diversas bandas até sua paixão pela produção. Confira esse bate-papo abaixo:
Durante minha pesquisa para montar a entrevista eu li que você passou por todas as bandas de punk rock do Rio Grande do Sul. Isso é verdade? Brincadeira. Você pode falar um pouco como você começou na música e no punk rock?
Pacote: Faltam umas duas ou três bandas ainda, mas ainda tem tempo! Brincadeira, mas sabe que eu tenho uma listinha que anoto os shows que toco desde que comecei, e abri ela aqui pra dar uma contada e tem anotados ali shows com 65 bandas diferentes! Isso entre bandas que fui integrante de verdade, bandas que quebrei galho só por alguns shows e bandas que foram montadas e terminaram na mesma noite.
Desde piá sempre gostei demais das bandas daqui, acho o rock gaúcho em geral muito criativo e original. Como se sempre houvesse um pé na chinelagem, no humor, sei lá, talvez as bandas daqui não se levem tão a sério quanto no resto do país.
Quando eu comecei a tocar e também a ir em shows, eu curtia muito conversar com a galera das bandas que eu gostava, e tentar aprender alguma coisa com eles. Muitos acabaram com o tempo se tornando amigos próximos. E acabei, por estar por perto e curtir o som, participando de várias dessas bandas em momentos em que precisaram substituir algum integrante que saía.
Os Torto, por exemplo, era uma banda que eu adorava. Eu ia em todos os shows, invadia o palco às vezes. Depois acabei me tornando amigo dos caras, e quando houve uma troca de integrantes me convidaram, e aí vão 13 anos tocando com esses caras que hoje são meus irmãos. Hoje eu tenho menos tempo para conseguir tocar com várias bandas, mas eu acabo suprindo no estúdio esse meu gosto de fazer música com gente diferente, trabalhando ativamente com a galera nos arranjos das músicas, etc.
Como surgiu o interesse por produzir bandas e montar o Hill Valley?
Eu sempre fui muito fã de discos. Se tu me perguntar sobre qualquer disco da minha prateleira, eu vou saber te dizer a ficha técnica de cor, em que estúdio foi gravado, quem mixou, quem tocou xilofone na faixa 8, etc. Então desde piá eu curtia muito ficar ouvindo os discos no fone de ouvido e descobrindo os segredinhos, aquela guitarra baixinha que saía de um lado só, etc.
Um pouco depois, quando entrei em estúdio para gravar com as minhas bandas, eu me dei conta de que eu nunca saía satisfeito com o resultado. Os discos nunca soavam como os das bandas gringas que eu gostava, talvez porque a gente sempre tinha que tentar ensinar para os técnicos dos estúdios como uma gravação de punk rock devia soar. Não tinha nenhum especialista da área por aqui, e ninguém parecia muito interessado em aprender também.
Quando eu comecei a tentar aprender por conta própria, montei uma mini-mini-estrutura no meu quarto no apartamento dos meus pais, e gravei algumas músicas sozinho, com 1 só microfone, gravando a bateria peça por peça, entre outras gambiarras. Logo essas gravações se espalharam entre o pessoal e começaram a aparecer bandas perguntando como poderiam fazer pra gravar no meu “estúdio”. E basicamente assim nasceu o Hill Valley Studio, com a galera gravando sentada na minha cama!
O Hill Valley me chamou atenção por ser o lugar onde foram gravados vários discos que gosto bastante e também pelo nome. Uma ótima referência da trilogia De Volta Para o Futuro. Por que esse nome?
Bom, primeiramente, os filmes são foda! Mas o nome veio quando chegou a hora de lançar o primeiro lançamento físico de verdade de algo que gravei no quartinho, que foi a demo Pra Fora do Tomo, da Flanders 72.
Quando chegou a hora de fazer o encarte desse EP, eles me perguntaram como colocariam no encarte, “gravado no quarto do Pacote”, ou qual seria. Daí pensei em colocar um nome pomposo em inglês, como se tivesse sido gravado em um estúdio em Los Angeles, quando na verdade foi gravado todo mundo de pé descalço, sentados na minha cama, com um microfone de 50 reais… uma piadinha interna. E daí veio a ideia do nome Hill Valley, e acabou ficando para sempre.
Ah! E o De Volta Para o Futuro III é o melhor, e o mais injustiçado!
Em 2013, a quantidade de trabalhos no estúdio cresceu tanto que você precisou sair do Tequila Baby. No momento, você faz parte d’Os Torto e o Big Stone Crew. Hoje como é para você se dividir entre a produção dos discos e os palcos?
Hoje é bem tranquilo, nas duas bandas os integrantes têm outros trabalhos e é bem de boa a coexistência das bandas com as outras ocupações dos integrantes. O estúdio ocupa 99% do meu tempo hoje, e trabalhar aqui é a coisa que eu mais amo fazer no mundo.
Eu me sinto muito sortudo de verdade por conseguir ter o punk rock como minha única forma de sustento, mesmo que na maioria do tempo eu vou estar fazendo esse punk rock operando um monte de botõezinhos ao invés de tocando um instrumento propriamente dito.
Trabalhar tipo como um operário auxiliando as bandas a criar e gravar suas músicas me satisfaz muito, porque consigo ser criativo e fazer arte a maior parte do meu dia, a cada dia com uma banda diferente. E na maioria das vezes sendo elas algumas das minhas bandas e pessoas favoritas do mundo.
Falando das suas bandas atuais. Em 2015, o Big Stone Crew lançou o ótimo Legacy, um disco de hardcore melódico com pé no pop punk pela a influência de All/Descendents. Agora já se passaram dois anos do lançamento, quando teremos mais novidades da banda?
Obrigado pelo elogio! Temos um EP novo pronto, só estamos decidindo a melhor forma de lançar ele. No fim do ano passado lançamos um clipe de uma dessas músicas novas, chamada Extinction, tá no Youtube. As músicas novas estão mais pesadas e rápidas em comparação com o Legacy, acho que a galera vai curtir!
Os Torto lançaram o EP Trombeta no finalzinho do ano passado e a banda passou por uma transição fazendo um som mais leve. Como foi essa mudança? Ela ocorreu por algum motivo?
Será que é mais leve? Não tinha pensado por esse lado, mas talvez seja verdade. A gente produz muito, temos mantido uma média de um lançamento novo por ano, então acaba que cada um deles é um retrato bem específico da época em que foi composto.
Estamos com mais um disco novo pra sair esse ano, já 90% gravado, faltam só gravar alguns vocais, e é sem dúvidas o disco mais hardcore e mais cru da banda. Acaba que nossos discos são bem específicos porque acabam sendo bem um retrato do que a gente anda ouvindo no período de composição, e as letras uma crônica do que a gente tem vivido na época.
Na minha visão, as bandas do Sul tem uma influência gigantesca de Bubblegum, como o Tequila Baby, Rotentix, Magaivers e o Flanders 72. O que é bem diferente daqui de São Paulo que a maioria dos grupos ligadas ao pop punk estão fazendo Easycore. Por que você acha que as bandas do Sul ainda mantém essa raiz “ tão Ramones”?
Bicho, pior que eu nem sei o que é easycore (risos). Vou pesquisar. Mas não sei dizer cara, talvez tenha a ver com aquilo que falei no começo, daquele espírito que a gente tem de não se levar muito a sério. Pode ser uma bobagem isso que eu falei, mas tenho essa impressão, que nós rimos um pouco de nós mesmos. Isso tem tudo a ver com a filosofia dos Ramones. Sei lá, pode ser isso!
Pacote, muito obrigado pela entrevista e pela atenção. Minha última pergunta é em relação a produção. Se pudesse produzir qualquer banda do mundo, mesmo as que já acabaram, qual seria?
Que isso bicho, eu que agradeço o contato e o espaço pra falar minhas groselhas aí!
Essa pergunta é foda hein. Ramones seria óbvio, mas não tem como fugir né, seria lindo ter trabalhado com os feras. Daria tudo pra estar também de assistente que fosse em uma sessão do Brian Wilson durante as gravações do Pet Sounds (Beach Boys), ou em alguma gravação do Phil Spector no Gold Star Studio. Esses caras foram os maiores produtores musicais de todos os tempos, nunca vai ter nada igual.
De bandas que ainda não acabaram e portanto na teoria não seria impossível, queria gravar o CJ Ramone, ou o The Muffs, Aqui no Brasil ia ser massa gravar o Raimundos. E aqui em Porto Alegre queria muito produzir um disco dos Replicantes. Já fui técnico de gravação no disco deles de 2010, e foi uma das experiências mais massa da vida, mas queria produzir de verdade um aqui no Hill Valley. De todos que eu falei, esse tenho esperança de que role um dia, e os outros, quem sabe.
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