O mundo foi feito para garotas que estão dispostas a se impor, seja na sociedade, no mercado de trabalho ou na música. Com essa premissa, conseguimos entender a relevância da L7 na cena grunge e no underground punk feminista, mais conhecido pelo movimento riot grrrl.
Iniciado em meados dos anos 1990, o movimento envolveu ativismo político e cultural contra a misoginia, envolvendo várias bandas femininas em um conceito muito maior do que apenas música. Em 1991, a L7 fundou a fundação Rock For Choice, uma organização que buscava conscientização sobre direitos da mulher. A banda promoveu concertos beneficentes pelo mundo com o festival Rock For Choice, que contou com bandas como Nirvana, Red Hot Chili Peppers, Joan Jett e Pearl Jam em total apoio à causa.
https://www.youtube.com/watch?v=Reo4EHil2hI
Sua forte atividade política, misturada a um senso de humor picante, resume muito bem sua essência artística. A banda de Los Angeles foi criada em 1985 por Donita Sparks e Suzi Gardner, ambas guitarristas e vocalistas. A formação de baixo e bateria variou um pouco com o passar dos anos, mas no fim das contas, permaneceu a formação original, respectivamente com Jennifer Finch e Demetra Plakas.
Começando a aparecer pelos bares e clubes da cidade, as quatro garotas gravaram seu primeiro álbum, L7 (1988), com produção de Brett Gurewitz, guitarrista do Bad Religion e representante do selo Epitaph Records, notável pelo trabalho com Rancid e Pennywise. Conquistaram um pequeno espaço em Hollywood, promovendo shows em bares locais. Com ampla presença de palco e zero papas na língua, a banda teve posterior reconhecimento como uma das pioneiras no grunge. Fora dos padrões, as quatro garotas criaram sua identidade baseadas na atitude independente, sarcástica e rebelde.
O grande salto para o eminente sucesso em 1991 veio com a assinatura com a Sub Pop Records. Foi promovida uma turnê da L7 com o trio grunge mais popular do momento, o Nirvana, que conquistou grande interesse por parte da indústria musical. Acabaram chamando a atenção da Slash Records, responsável pela promoção de bandas como Faith No More, e lançaram com a gravadora seu segundo disco, Smell The Magic (1991).
A abertura do álbum é feita com a música Shove, uma participação especial do quarteto feminino na compilação Grunge Years: Sub Pop Compilation (1991), que também incluiu Nirvana, Screaming Trees, Mudhoney e Babes in Toyland em suas faixas. Com vocais rasgados, acidez nas letras e forte marcação rítmica, o álbum acabou se tornando um de seus principais marcos punk, carregando uma demonstração autêntica da cena punk e underground dos anos 1990. Destaque para as canções Broomstick e Just Like Me, com peso e velocidade em combinações precisas.
Sua atuação no festival Rock For Choice não se resumiu ao evento. Com o álbum Spirit of 73′: Rock For Choice (1991), bandas femininas gravaram covers de artistas dos anos 1970. A inspiração para a data título do álbum veio do dia em que a corte americana decidiu pela legalização do aborto, em 22 de janeiro de 1973. Algumas das artistas participantes foram Babes in Toyland, com More, More, More, de Andrea True; Letters to Cleo, com Dreams, de Fleetwood Mac; Cassandra Wilson, com Killing Me Softly With His Song, de Roberta Flack. A L7 atuou em um cover de Cherry Bomb, junto à própria Joan Jett, em homenagem aos seus tempos de Runaways.
Seu terceiro álbum, Bricks are Heavy (1992), contou com a produção de Butch Vig, que trabalhou com Nirvana e Sonic Youth. Este foi o grande responsável pela abertura da banda ao mundo; graças ao trabalho mais limpo, projetado e de ótima qualidade, a L7 garantiu um convite para abrir os concertos da turnê europeia do Faith no More, vendeu milhares de cópias pelo mundo e chegou aos rádios com Pretend We’re Dead, a canção mais popular do disco e seu primeiro e único bilhete rumo ao mainstream. Com um trabalho ousado e altamente provocativo, canções como Wargasm, Scrap e Diet Pill trazem questionamentos e sátiras sobre o sonho americano, guerras e até mesmo skinheads.
Após este lançamento, a banda decolou em grandes turnês pelos EUA, pela Europa e também pelo Japão, fez aparições em famosos talk-shows pelo mundo e participou de grandes festivais, como o Reading Festival e Lollapalooza. Também marcaram presença no Brasil com apresentação no Hollywood Rock, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Suas performances empolgantes chamaram muita atenção pela quebra do estigma da feminilidade nos palcos, que levou os atos de tantas outras bandas punk femininas ao extremo com doses elevadas de peso e velocidade.
A repercussão da banda não veio apenas da boa música. Donita Sparks tornou-se conhecida por inúmeras polêmicas nos palcos, como abaixar as calças durante uma apresentação da banda no programa The Word, em exibição ao vivo. Outro episódio controverso foi quando retirou um absorvente em uso e atirou no público, protestando pela revolta dos espectadores quanto às falhas técnicas ocorridas no show. Apesar do temperamento difícil de sua vocalista, a banda conseguiu criar uma imagem positiva no cenário musical, ganhando credibilidade após a participação em eventos e colaborações com outros artistas.
Em 2001, a banda entrou em hiato por tempo indeterminado. Foram 14 anos de insistência popular e campanhas pelas redes sociais para realizar o impossível: o público motivou uma reunião da L7 em 2015, que contou com shows lotados e ótimas avaliações de uma nova geração de fãs. O retorno inspirou um site novo, roupagem diferenciada e dois novos singles: Dispatch from Mar-a-Lago e I Came Back to Bitch, ambos lançados pela Don Giovani Records e altamente ácidos, contando com críticas políticas e sociais.
Atualmente, a banda se prepara para uma turnê em direção à América e Europa, partindo dos EUA. A contribuição da L7 para o punk rendeu homenagens e amplos reconhecimentos, como dois documentários: o primeiro, dirigido por Krist Novoselic (baixista do Nirvana), foi lançado em 1998 sob o título L7: The Beauty Process, e retrata alguns shows da banda filmados ao vivo; o mais recente, lançado em 2017, é o documentário L7: Pretend We’re Dead, que reúne histórias sobre a banda e mostra sua força no movimento feminista do rock.
Conhecidas pelas composições abrasivas, vocais intensos e riffs pesados, a banda é destaque no punk rock e se tornou referência no movimento grunge na companhia de Nirvana, Skin Yard, Soundgarden e Alice in Chains. A L7 é pioneira entre as bandas mais autênticas e resistentes do movimento feminista, representando um manifesto em alto e bom som pela igualdade de gêneros em todas as indústrias.
Onde você pode ter ouvido:
- Suas canções mais populares estiveram presentes nas trilhas sonoras dos filmes As Vantagens de Ser Invisível (2012) e Assassinos por Natureza (1994);
- A banda realizou uma participação especial no filme de humor negro Mamãe é de Morte (1994), onde se apresentaram como a banda fictícia Camel Lips. Também gravaram uma música para a trilha do famoso suspense Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997);
- Pretend We’re Dead integra a rádio X do game Grand Theft Auto – San Andreas, ao lado de várias bandas de rock alternativo e grunge. A música também aparece no jogo Rock Band 2, lançado em várias plataformas.