Formada em Londres no ano de 1976, a banda The Slits foi formada em meio à efervescência do punk rock britânico como um grupo feminino desafiador e contra todas as regras. Consideradas atualmente como parte dos grupos clássicos do punk, a banda apostava em diferentes experimentações melódicas e vocais, incluindo uma forte influência do reggae. Feministas, cheias de perguntas a fazer e sem papas na língua, essas garotas contestaram todos os padrões de estilo da época – até mesmo os próprios padrões que acabaram se formando no punk.
Na verdade, a história do Slits começa com um conceito inovador. A ideia estava formada, mas faltava a habilidade: as garotas tinham sérias dificuldades em afinar seus instrumentos e desenrolar novas melodias, contando muitas vezes com os colegas de outras bandas e produtores para os “ajustes técnicos” durante shows e gravações. Por meio da paixão e do desejo de tocar, as garotas conseguiram driblar suas dificuldades e abrir o caminho para a era feminina do punk britânico.
Tudo começou com o quarteto formado por Ariane “Ari Up” Foster como vocalista, Paloma “Palmolive” Romero nas baquetas, Kate Korus na guitarra e Suzy Gutsy no baixo. Com instrumentos emprestados, o conhecimento de no máximo três acordes e gravações cruas, a banda finalmente se tornou uma realidade quando aceitaram uma oportunidade de abertura do show do The Clash, em Londres, em 1977. A ideia era ousada, mas as meninas não deixaram passar: a notoriedade alcançada pela abertura deste show deu a chance que elas precisavam para aprimorar sua música e conquistar novos caminhos.
Na época da abertura do Clash, Ari Up ainda era menor de idade – tinha apenas 15 anos. Sua voz não genérica era seu maior trunfo, mas também o maior desafio comercial da banda, pois muitos produtores a achavam difícil de trabalhar na busca por um “som equilibrado”. A bravura nas combinações vocais acabou se tornando eventualmente o destaque da banda, junto às sátiras disparadas em suas letras, que serviam como mantras anti-alienação e a favor da liberdade. Seu visual também era um grande atrativo, sempre apostando nas contradições, como o uso de dreadlocks, que destoavam do “código de estilo” do punk rock.
Uma versão cover diferenciada de I Heard It Through the Grapevine, canção que se popularizou no estilo de Creedence Clearwater Revival em 1968, foi um momento forte da carreira das garotas. A música também fez parte de seu primeiro disco, tornando-se muito popular entre as rádios britânicas mais alternativas como uma versão poderosa e antagônica do clássico soul.
Em 1979, a banda fez seu primeiro disco completo, contando com o apoio do produtor Dennis Bovell, que era baixista e guitarrista de grupos de reggae na época. Três fatores levaram o álbum Cut como uma das estreias mais surpreendentes do punk rock feminino: o primeiro é a própria capa, que conta com o trio principal – exceto Palmolive, que foi substituída durante as gravações por um homem, Budgie, como baterista principal – de topless; o segundo fator é a estilística musical, que confrontava a calmaria do reggae com letras desafiadoras; o terceiro foi a voz de Ari Up, que até então soava como um elemento incerto na banda, mas que acabou garantindo enorme confiança e identidade ao material produzido.
A banda mudou de formação muitas vezes durante sua curta carreira. Viv Albertine e Tessa Pollitt, respectivamente guitarrista e baixista, foram as principais passagens pelo Slits, incorporando tendências do new wave ao som da banda. De forma curiosa, essas mudanças também contribuíram com a própria ideologia do grupo, que estava interessado em incorporar novas tendências e explorar, musical e visualmente, o que era aceito como punk rock. A ideia de desconstruir o agressivo, expandindo as barreiras do punk ao invés de simplesmente aderir às “regras” clamadas pelas bandas punk mais populares, foi uma proposta ousada e criativa que rendeu bons frutos.
A australiana Viv fazia parte da banda The Flowers of Romance junto a Sid Vicious, com quem manteve uma amizade capaz de lhe ensinar muito sobre música e atitude. Juntando-se ao Slits, Viv trouxe a máxima punk dos riffs velozes e ferozes em suas apresentações. Já a londrina Tessa Pollitt, mais experiente e com ouvido apurado, deu vida às composições da banda, atuando de forma mais criativa e organizada na parte de produção.
Denunciando o sexismo do punk rock, as letras e atitudes do The Slits as colocaram em referência como líderes feministas, o que as caracterizou no meio como “madrinhas” das Riot Grrrls. Contrárias aos padrões moralistas, estéticos e políticos, a banda denunciou o machismo e militou contra a violência e estigmas conservadores. Viv sempre ressaltava em entrevistas como as garotas da banda eram invencíveis juntas, inclusive durante suas marchas feministas, onde foram muitas vezes cuspidas, xingadas e até mesmo agredidas.
Nos anos seguintes, vieram os álbuns The Slits (1980) e Return of the Giant Slits (1981), ambos complementares à diversidade de estilos musicais imposta pela banda. Ari Up também investia no momento em apresentações com sua segunda banda, New Age Steppers, que contemplava estilos como dub e post punk. Desde então, a banda permaneceu como um material de referência para diversos outros artistas, mesmo entre hiatos e mais mudanças de músicos. Só em 2005, após o lançamento solo de Up (Dread More Dan Dead), ela se reuniu com Tessa Pollitt e novos membros para uma reunião. Daí, surgiu um EP com três músicas, nomeado Revenge of the Killer Slits (2006).
Em 2008, Ari foi diagnosticada com câncer de mama. Ela recusou os tratamentos convencionais, buscando alternativas que não afetassem sua imagem e disposição. Investiu seu tempo em novas apresentações e gravações, incluindo um álbum completo, Trapped Animal (2009), até seu falecimento em outubro de 2010, em Los Angeles. Um tributo foi realizado à artista em janeiro de 2011, com o nome de Punky Reggae Birthday Party, onde vários membros do Slits e associados se apresentaram e prestaram suas homenagens.
Esse último álbum conta com ainda mais misturas musicais, agregando até influências do jazz e eletrônica às combinações vocais que se tornaram ícones do grupo. Mesmo com várias mudanças estruturais, The Slits manteve como prioridade a experimentação constante, seguindo como uma peça musical curiosa, corajosa e mente aberta em meio à história do punk rock. Com versatilidade e flexibilidade, o grupo investiu em canções transgressoras que contrariam todas as regras possíveis, deixando um legado muito além da música, mas também na atitude e ideologia.