Radar #01 – Review do Blue & Lonesome – The Rolling Stones

Radar #01 – Review do Blue & Lonesome – The Rolling Stones

NUNO MINDELIS

Ouvi Blue & Lonesome, o disco mais novo dos Stones. É o seu back to the blues, uma tendência que, aliás, começa a disseminar-se entre bandas e artistas consagrados, Robin Trower um deles. Parece que querem terminar a carreira deixando um legado mais edificante, evitando serem lembrados pelo pop mais fofinho que precisaram fazer vida toda para sobreviver à indústria implacável. (Sem juízo de valor, sinceramente).

Por outro lado, esse negócio de blues funciona mesmo como a sua casa, a sua hometown e mais cedo ou mais tarde você quer voltar para ela. É como se, quando você se distancia do gênero, estivesse sempre num exílio tortuoso e precisasse voltar a qualquer preço. Pois bem, eles voltaram, nem que seja para uma visita breve e com o produtor Don Was, velho conhecido e colaborador que ajudou a imprimir uma sonoridade vintage no trabalho, cujo resultado clona as mesmas (e incrivelmente verossímeis) limitações da época. Lembra dos tempos pré stereo.

Interessante como projeto paralelo certamente, mas no século 21 e acostumados a relíquias de fidelidade audiófila dói um pouquinho nos ouvidos. Ideal ouvir sozinho (e talvez evitar no carro) pois pode se tornar mais um incômodo que um prazer se houver outros sons ou pessoas falando no mesmo ambiente.

O álbum é composto inteiramente de versões de clássicos e, curiosamente, ao acessar pelo Spotify na minha primeira audição, todas as faixas apareceram entremeadas com os originais da pesada. Como parte de uma coletânea. Não havia maneira de aparecer o álbum sozinho. E assim mesmo, seguidinho, tocava Stones e tocava o original. O que eu apontaria como temerário, no mínimo. Sujeitos mais ranzinzas (como eu) podem acabar comparando sem querer a voz de Howling Wolf e de Magic Sam (dois rolos compressores inigualáveis daqueles que nascem apenas a cada 100 anos) com a de Mick. Isto não aconteceria, certamente, se tivessem feito releituras próprias dos clássicos (e com qualidade de áudio atual) mas assim fica difícil não comparar. Covers se comparam, releituras nem tanto. Mais ou menos como biografia e romance.

Mas evidentemente os músicos são primorosos no gênero (Stones sempre foram bluesman disfarçados de hit makers) e a voz de Mick chega a arrebatar em vários momentos. Ele surpreende igualmente na harmônica (conhecida pelo apelido duvidoso de gaita). Little Walter é provavelmente o sujeito mais raro do planeta nesse instrumento mas Mick não deixou por menos.

Charlie Watts também deveria ter uma estátua erguida urgentemente porque tem conhecimento das entrelinhas e das notas fantasmas que o blues requer (como o samba por exemplo, que só brasileiro sabe tocar). Para quem acha que o velhinho é apenas arroz com feijão, fica a dica. Aliás, ele já tinha vindo ao Brasil tempos atrás com o seu trio de jazz e teve o show cancelado por falta de público. (Numa casa pequena). Incrível, não? Especialmente quando vemos o que anda lotando estádios por aí.

Clapton apareceu pelo estúdio, estava gravando outra coisa na sala ao lado algo assim e, papo vem papo vai, enfiou a guitarra em duas faixas (Everybody Knows About My Good Thing e I Can’t Quit You Baby). O timbre do slide guitar chega a ser celestial na primeira. Ponto para Leo Fender, desta vez. O próximo poderá ser para Orville Gibson, meu predileto. Falando em guitarras, há momentos em que Ron Wood e Keith Richards fazem uma cozinha de tal categoria no gênero que mereceria um Nobel da guitarra.

Quem sabe, sabe! De tirar o fôlego.

E por que será que um disco de blues com sonoridade propositalmente envelhecida, fazendo clássicos ‘velharia” recebeu tanto alarde positivo de crítica e público? Tenho dois palpites, o primeiro: além de genuinamente bons no que fazem, Stones são a maior banda de rock do planeta e tudo o que publicam já vem revestido de um marketing astronômico, uma espécie de aceitação tácita e sobretudo uma pré disposição a conferir. O segundo: o seu público é gigantesco e inclui (além das gerações old school aficionadas do gênero sem surpresa aqui) outras mais novas que, nunca tendo ouvido (ou dado muita bola antes a ) o gênero maldito, foram subjugados como Robert Johnson na encruzilhada. Expressões como The Blues is gonna catch you ou he was caught by the blues não são apenas exóticas. Em idades vulneráveis, a picada da Blue note pode significar dependência aguda em pouco tempo.

Resumindo, é sim um baita disco e se você quer saber quais as grandes influências dos Stones que os levaram a ser os Stones, confira-as por eles mesmos.