NUNO MINDELIS
Foto: Gavin Peters
Ainda que em escala bem gradual, algum blues começa a tomar outros rumos, diversos do tradicional. Da mesma forma, começam a aceitá-los algumas gravadoras conservadoras. No caso deste trabalho, a Alligator Records, mais importante gravadora independente do gênero e que, sinceramente, jamais imaginei viesse a contemporizar com eles.
Bruce Iglauer, seu dono, é um purista da linguagem. Não é à toa. Inaugurou essa autêntica Meca do Blues tradicional em Chicago em 1971, com o lançamento de Hound Dog Taylor e, depois disso, toda uma constelação, de Albert Collins a Johnny Winter. Sinal dos tempos.
Faça-se justiça, ele nunca foi frontalmente avesso ao tema, lembro-me de papos que mantivemos ao longo de anos (somos amigos há mais de 20) em que imaginávamos como se poderia modernizar a linguagem sem perder a magia inerente e rara que o gênero, mais do que nenhum outro, penso, carrega. Tarefa hercúlea, pois tal magia, no caso do Blues, escapa por entre os dedos num ápice, como as cartas viciadas ou o coelho da Cartola do prestidigitador.
Pois bem, por mais que se pareça com blues (tradicional ou não) em muitos momentos são bem claras, nas entrelinhas deste disco, as inflexões da dupla que lhe denunciam influências alheias. Isso é patente logo de cara. Mas será que oxigenaram alguma coisa? Vamos ver.
Um pouco sobre os dois malucos : Aaron Moreland, guitarrista, nascido em 1974, curtia punk e tocava em bandas de garagem. Até ao dia em que ouviu Son House e caiu de costas (por que não estou nada surpreso?). Dustin Arbuckle, vocal e harmônica, nascido em 1981, já ouvia blues desde cedo, fazia alguma mistureba de gêneros, tentava ser cantor (e como conseguiu!) e tocava em bandas de blues rock. Fizeram a dupla, adicionaram um baterista (Kendal Newby), Moreland acrescentou uma “Cigar Box guitar ” ao seu set de guitarras normais, começaram a receber (muito) boas críticas de todos os lados, tocaram para as tropas no Iraque; lançaram vários discos (um deles com a presença, sempre estelar, de Steve Cropper) abriram turnês de ZZ Top, George Thorogood, Buddy Guy, Robert Cray, ganharam prêmio aqui, outro ali.
O disco é bom, muito bem tocado, guitarra , harmônica e bateria de alta categoria, (nem precisaria dizer isto, impossível chegar a este estágio de carreira no país mais competitivo do mundo sem ser músico de verdade e acima da média). Sonzeira! Mas é quase um disco de hard rock. Poderia ser a banda Trapeze, que desbundou em 1974, 75 e que eu curtia quando adolescente. (Sério, ouça Hannah, When the Lights are Burning Low, a lindíssima balada folk Mount Confort, e compare).
Em alguns momentos, ainda assim, percebe-se a influência dos novos tempos, ainda que muito timidamente. É o caso do tradicionalíssimo shuffle King Bee, que na hora do solo de slide guitar abusa do reverb, empurrando a guitarra para o ‘fundo da sala’, efeito muito usado hoje em dia.
Ok, admitamos uma pitada a mais de blues (tradicional) em contraponto ao rock setentista, como slide guitar , harmônica (monstra!) timbres aparentemente de guitarra Danelectro aqui e ali e uma sonoridade um milímetro mais nova por conta da qualidade das gravações de hoje e de uma ou outra solução de produção, como esse reverb, compressão forte no vocal , etc..
Se a ideia de Bruce era modernizar o catálogo, a Alligator garantidamente saiu da zona de conforto (jamais gravaria uma banda assim antes) mas conseguiu, no máximo, redescobrir o hard rock e os Allman Brothers dos anos 2000, com alguma garagem (boa) no caldo geral. Arejando ou não, acerta em chamar para o cast um trabalho feito por jovens que saem do tradicional puro, que flertam com várias tendências e que andam sendo incensados pela imprensa especializada. Um passo adiante. Deve ser conferido.
Abraço, pessoas importantes!