NUNO MINDELIS
Meu amigo Richard Schwarz, de Curitiba, notório intelectual e muito antenado em música e literatura, (entre outros) me dá o toque : ouça Chuck. Referia-se ao último e recém lançado álbum de inéditas da lenda que supostamente inventou o rock’n roll, depois de 38 anos. Você leu direito: 38 anos.
Continuou : ‘nada de extraordinário ou tremendamente original, mas a velha pegada e bom gosto”. E propôs uma questão : ‘foi um bom encerramento ou somente mais um lançamento caça-níqueis pegando carona na comoção?” (Chuck deixou o álbum pronto mas morreu em março, sendo portanto póstumo).
A velha pegada e o bom gosto podemos já confirmar, não é preciso abordar.
Sobre lançamentos caça-níqueis, na real tenho sempre a sensação de que nada do que artistas seminais como Chuck Berry fazem o são, mesmo que sejam. Contradição? Explico: em função da envergadura das suas obras, tudo o que fizerem vira documento obrigatório. Chuck declarou a vida inteira, por outro lado, que fez tudo por grana. Isso inclui a própria invenção do rock ’n roll, olha o tamanho. Se isso foi caça-níqueis, então que venham mais, seja lá o que for.
Quanto à relação habitual caça-níqueis x póstumo, eu diria que foi Chuck que quis fazer esse álbum, dedicou-o à sua mulher, algo como um projeto pessoal. Finalmente, não acredito que alguém pense, nos tempos que correm, em conseguir um centavo vendendo discos.
Não é tremendamente original, concordo, mas o homem tinha 90 anos, não seria de se esperarar uma reinvenção. Criou uma história e um carimbo tão centrais que acho que nem conseguiria mudar um pingo do que fazia, se tentasse. Meio como BB King e outros inventores de assinaturas infernais.
Apesar disso, a ‘blueseira’ da pesada do disco me surpreendeu. Faixas como Dutchman, Eyes Of Man, Go to My Head, (esta última embrulhada para presente, vocal desencanado e despretensioso, sem os trinados e as firulas de ‘diva” que geralmente acontecem neste tipo de ‘blues canção’). Sonzeiras com levada bandida, shuffle-rock com riff-mantra que não tem muito a ver com o que eu esperaria dele. Algo de diferente na guitarra também, timbre , efeito delicioso, approach. (Eyes Of Man, por exemplo) .
Tremendamente original não se pode dizer, mas surpresas eu tive. Acho que o fato dos filhos participarem do trabalho gerou um compromisso com técnicas e sonoridades mais novas, quem sabe.
She Still Loves You lembra-me de uma música que já existia, (do rock britânico, acho) mas às vésperas de ter direito a vaga de idoso, não consigo identificar . Seja o que for, é bom de ouvir pra caramba! Bandaço. E Chuck enfia a guitarra de sempre, meio displicente, meio irregular, meio desafinadinha, sua marca para a história.
Em Wonderful Woman, Big Boys e Lady B.Good encontramos o velho Chuck Berry, repetindo a sua invenção máxima.
O mix do disco parece especial, privilegia bem os vocais, mas sem tirar a intensidade do resto da cozinha. Pianos irretocaveis de Robert Lohr.
Os vocais estão muito bons e bem captados em quase todos os momentos. A banda também. Há um ‘veludo” delicioso em algumas gravações.
Tom Morello (Rage Against The Machine e Audioslave) faz uma participação em Big Boys, Gary Clark Jr idem em Wonderful Woman.
Chuck anunciou, aos 90 anos, em outubro de 2016, que lançaria este album de inéditas em junho de 2017. Cumpriu, mesmo sem estar aqui e o vigor da sua voz é inacreditável para a idade que tinha.