Saiu um disco em 2017 que parece ter sido feito em 1928. Trata-se de um dos últimos moicanos do Delta Blues de verdade, Hayes McMullan. Ele nasceu em Tallahatchie/Mississipi em 1902 e morreu em 1986. O trabalho saiu, portanto 30 anos após a sua morte. Legal né? O cara nem sabe, passou a vida se ferrando e bufunfa, se houver, vai para descendentes ou para o Estado.
Mas é mais denso que isso: as gravações foram feitas entre 1967 e 1968. Então tá, eu gravo em 1967, morro em 1986 (quase 20 anos) sem ter conseguido emplacar o que gravei e, 30 anos depois de eu morrer, sai um apanhado todo pomposo de 31 músicas. (Opa, isto lembra de alguém 1: alguma encruzilhada ou pacto com o diabo?)
McMullan trabalhou na plantação de algodão e chegou a tocar com Charlie Patton nos anos 1920. Vai daí por acaso tromba com um sujeito intelectualizado, estudioso de raízes americanas, colecionador e documentarista (isto lembra alguém 2: Alan Lomax?) chamado Gayle Dean Wardlow que descobre essa conexão por acaso, durante a conversa. E pira, porque é fanático pelo Patton. Perguntou-lhe porque nunca tinha gravado com ele, McMullan respondeu que recusou porque só pagavam US$5 por música, enquanto ganhavam milhares com aquilo. (Aqui, eu duvido, não sei se Wardlow acreditou, mas ok, eram mais que US$5).
Tinha deixado de tocar, após passar a frequentar uma igreja em 1930 e virar pastor. (Isto lembra de alguém 3: paralelo com Skip James, meu herói máximo do Delta?).
A partir daí Wardlow começa a estreitar com McMullan, a visitar Tallahatchie (e o barraco em que o homem morava), a gravá-lo (entrevistas e músicas) e a fazer umas poucas fotos dele. São os únicos registros que existem da sua vida e obra. Nada mais, zero, tilt.
Se você gosta de Delta Blues de verdade, de encruzilhadas e de lendas, de descobertas tardias e mitos, ouça este lançamento. Roll and Tumble já justifica a empreitada!
Algo que achei bem legal, além da música claro, são as entrevistas, os making of, os papos que foram registrados durante as gravações, comandos, ‘claquetes” etc que integram a coleção. Num deles (Black Water Blues), McMullan pede desculpa por ter começado antes do tempo ou por ter errado. Delicioso. E educadíssimo. Em outro (Bout a Spoonfull) ele para o take e diz “eu ferrei com isto “, e começa de novo. Em ainda outro (NoTriflin Kid) para por alguma razão às gargalhadas, contagiando Wardlow e mais um ou outro presente.
Antes tarde do que nunca !
Abraço, pessoas sônicas e antenadas!