NUNO MINDELIS
Novos tempos, novas tecnologias, novas gerações, novas definições sobre gêneros musicais. Que o mundo mudou já se sabe, mas que mudou muito mais do que se acha que mudou, parece que nem todos perceberam. O blues de Robert Johnson a Elmore James e, dele, a Stevie Ray Vaughan, parece ser atualizado (a bem ou a mal) por nomes como Fantastic Negrito, sobre o qual escrevi há um tempo aqui, que levou o Grammy “melhor álbum de Blues contemporâneo.
Agora é a vez de ZZ Ward, cujo trabalho mais recente emplacou nº1 em blues na Billboard, nº 12 no chart de rock e nº 75 nas ‘200 mais” da mesma Bíblia. Pode-se discordar do critério, mas Billboard é Billboard.
Assim como Fantastic Negrito, encontramos levadas modernas, com certa dose de hipnose, permeadas por elementos do blues ancestral como gaita, guitarras com distorção e outros quetais, mas mixados de forma mais eletrônica, com muito mais ‘sala’ que a usada no gênero tradicional. Aliás, aproveito para externar uma teoria minha: hoje em dia muitos artistas que tem o blues como DNA, mas querem soar ‘modernos’ e ‘cool’, recorrem a escondê-lo ao máximo. Então empurram todos os indícios do gênero bem para o fundo da mix. O resultado pode ser simpático mas faz o jogo do mercado apenas, não é seminal; é, como disse, simpático.
A voz da beldade ZZ (a moça é vistosa!) tem um timbre peculiar e atraente, canta bem e é cheia de pose e charminho premeditado, por mais natural que queira fazer parecer o recado. (Nos EUA e em outros circuitos no mundo ninguém chega a lado nenhum se não for realmente competente, não precisaria dizer que canta bem, perdão por isso).
Há refrões piegas e mais do que batidos (The Storm, faixa título, é um exemplo, parece que já ouvimos aquilo zilhões de vezes antes, Domino, a quinta faixa, também e monte de outras) mas há instrumentais precisos, bem bolados, produção muito bem cuidada. (Perdão de novo).
Em Let It Burn há abertura com um Dobro ou National e resquícios do Delta do Mississipi. Bag Of Bones começa com um violão bonito e bem timbrado e batida que provavelmente aponta para a que os prisioneiros do Sul faziam ao quebrar pedras com as picaretas, na época da escravatura. E de repente um baita solo de blues, sem medo de aparecer como tal, no mesmo violão.
Há participação do Xavier Dphrepaulezz (tente pronunciar sem ouvir “saúde”), mentor do Fantastic Negrito (que aparece como convidado) e muita semelhança no conceito. Apesar disso, Negrito soa para mim mais original, mais legítimo, em seu trabalho.
A sexy ZZ já fez turnê com Clapton e participou como convidada de um disco de Robben Ford. E última faixa tem a participação de Gary Clark Jr, guitarrista de blues (blues?) da novíssima (ou será que já não?) geração.
No tocante a oxigenar as linguagens, o talento envolvido nestas produções é certamente muitíssimo mais valioso e digno de nota que o das duplas de DJs que usam a mesma eletrônica sem serem músicos e/ou artistas. Mas talvez você tenha que ter os mesmos menos de 20 anos para gostar.
Abraço às pessoas atentas!