NUNO MINDELIS
Eis um artista que tem um currículo e tanto. Trabalhou (estúdio e tours ) com Greg Allman, Bonnie Raitt, Elvin Bishop, Traffic, Stevie Winwood. Quer mais? Roger Glover, J. Thomas, Robbie Robertson da lendária The Band, de Bob Dylan. E por aí iria, não há espaço.
Toca saxofone, teclado e canta. E faz os três com categoria. A carreira, que não se confunde com currículo como músico colaborador, parece um pouco mais errática, no entanto. A discografia começa em 1975 (dois discos, um em 1975 e outro em 1976 pela poderosa Polydor), depois passam-se seis anos até aparecer outro (já por gravadora menor, em 1982); o seguinte só grava 16 anos depois, em 1998, enfim, há janelas de mais de dez anos sem produzir aqui e ali durante as quatro décadas. Ultimamente parece ter retomado algum vigor, os quatro mais recentes são de 2010, 2013, 2015 e este novinho em folha, 2017.
É um disco que merece (muito!) respeito, mesmo que às vezes possa soar um pouco datado. Mas até acho que, em época em que tantos ruídos substituíram a música, isso pode ser uma vantagem. Há tutano artístico, vasta experiência e muito groove aqui.
Tais ruídos parecem conseguir a façanha de gerar um saudosismo (infelizmente não tão saudável) invulgar no planeta, tanta é concessão ao entretenimento vulgar em prejuízo da arte na verdadeira acepção do termo, quase desaparecida. Que neste trabalho existe, de sobra.
Outro dia dei por mim a pensar com os meus botões sobre uma coisa: se de fato a guitarra estiver em extinção (a esse respeito, v. editorial recente publicado no Washington Post com título O fim da Guitarra Elétrica), o que será que o meu neto, se vier a ser músico, bem como todos os outros netos do planeta idem, escolherão para tocar ao invés dela ou de um jurássico piano?
Essas coisas fazem-me confusão, porque artistas natos sempre existirão e serão tão bons e tão geniais quanto todos os outros desde as cavernas, mas que instrumentos tocarão? Circuitos digitais? Quânticos? Chips? Ordenarão com a voz a um dispositivo executar o que lhes vai no cérebro criativo? Com que timbres? Android guitars ou keys? Que guitars? Que keys? Será que a arte, ela própria e na sua essência máxima, será outra? Sempre sublime mas outra? Ops, divaguei!
Voltando ao Randall, curioso que mesmo que supostamente possa soar datado, (já não tenho a certeza! ) dá a impressão de experimentar. E bastante. Percussões improváveis e sons sintetizados ouvem-se. E solos que parecem invertidos eletronicamente. (Plugin Reverse? Substituto século 21 do tocar a fita de duas polegadas ao contrário, como fez Jimi?) O sax usou um efeito especial aqui e ali e ficou bom! O teclado em todas as faixas em que entra é uma dádiva, ahh! Seja Hammond B3, seja Rhodes Piano, seja o que for. Como dá gosto ouvir alguém que toca (e timbra) assim.
As dez faixas são petardos! As cinco primeiras, Plan B, Pot Hole On Main Street, Trippy Little Thing, Garbage Man e Just Don’t Have The Time não dão tempo de respirar. Faça o teste. De repente dou por mim dançando, sentado, enquanto escrevo, ao som da quarta.
Just Don’t Have The Time é um blues estilizado, blues canção, digamos. Mais falado que cantado, mais um pouco e pode virar rap. Se já não for. Sonzeira! Ah, se todo o rap fosse assim. Since You’re Gone, faixa 6, dá um tempo para respirar. Ufa! Aproveite. Balada mais lenta, super bonita.
Mas uma bateria pulsante, que prenuncia vertigem, começa logo depois em Devil’s Haircut e uma vez mais acaba a licença-respiração, até à penúltima, Mali Katra, quando entra Do You Want to Be Free, de novo mais intimista. E cuja sonoridade é muito especial e deliciosa. Acabou. Vigor surpreendente para um cara de 70 anos.
Este disco deve ser conferido por qualquer um que goste de música como a conhecemos, da remota época em que a guitarra elétrica ainda era moderna, ou seja até pelo menos o ano de 2010. Garanto. Tempos vertiginosos !
Abraço, pessoas importantes.