NUNO MINDELIS
Foto: Manuela-Scarpa / Brazil News
Se você pesquisar os lançamentos de blues de 2017, aparece John Mayer com The Search For Everything. Primeira pergunta: Blues? Por que diabos ainda o mantêm nessa prateleira?
O album foi lançado de forma no mínimo original, de quatro em quatro músicas. Interessante. (EPs Wave One em janeiro e Wave Two em abril). A justificativa para esse fracionamento é que me pareceu mais uma ‘boutade’, propriamente. De acordo com Mayer, trata-se de uma espécie de teste de admissão: se o sujeito não gostar das quatro primeiras, pode não ouvir as que vierem depois. Ah, ok. Ainda bem que avisou, vai que alguém não gosta e acaba ouvindo por não saber disso.
Parenteses, antes que me esqueça: vou pedir ao editor (Lucas, anexo abaixo!) para postar a capa do Wave One. Penso seriamente que poderia figurar naquelas listas de capas mais mau gosto de todos os tempos. Caraca, fiquei abismado.
A coletânea no Spotify começa com I Still Feel Like a Man. A mim soou um pouco como Michael Jackson na época do Jackson Five. Provavelmente coisa da Columbia Records, é preciso colocar a mais pueril e dançável logo de cara para tocar na rádio e tal. Sem problema. Mas nem todos são Beatles. Eu abaixaria o volume, mas isso sou eu, o ranzinza. Pergunta para os/as teenagers carentes (e não só), alvos primordiais das moribundas Columbias, cujo cérebro parece cada vez mais comprimido, como o MP3!
John disse à Rolling Stone que algo que o guiou, ao gravar este projeto, foi a necessidade de deixar um legado. Suas palavras, “I want to leave the Earth as a writer” (algo como “quero sair deste mundo como um escritor”). Caraca! Tarefa. Vejamos o primeiro verso de I Still Feel Like a Man:
The prettiest girl in the room she wants me
I know because she told me so
She says come over
I’d like to get to know you
But I just don’t think I can
Vamos ao segundo, que fala de guardar para sempre o shampoo da amada (ou amado):
I still keep your shampoo in my shower
In case you wanna wash your hair
And I know that you probably found yourself someone somewhere
But I do not really care
‘Cause as long as it is there
Segue-se Emoji of a Wave. Apesar do nominho fofo e da introdução que parece caixinha de música daquelas para fazer neném nanar, melhora um pouco. A balada é bonita, John é bom nisso e sabe usar a voz, joga umas nuances de sensualidade e sussurro na hora certa. Como um Jack Johnson do blues, digamos. Blues?
A faixa três agita mais, nada que Earth Wind & Fire não tenha feito melhor, mas embrulhada com laço e tudo, para pop. Aqui, entretanto, opa! John guitarrista toca guitarra e faz um solinho curto, uau! Columbia deixou? Talvez por isso tenha sido, além de curto, bem no finalzinho da música e engolido rapidinho por um fade out apressadíssimo.
Neste ponto faço-me outra pergunta: por que será que Bob Dylan pôde gravar qualquer coisa e nunca cedeu ao pop da mesma Columbia, desde que tinha 21 anos? Mas vamos adiante, já mudei de assunto, lá vem mais uma baladinha doce, Love on the Weekend:
Love on the weekend, love on the weekend
We found a message in a bottle we were drinking
Love on the weekend, love on the weekend
I hate your guts ‘cause I’m loving every minute of it … Oh oh oh oh-oh
Está claro porque é que Dylan pode fazer o que quiser, nem sei como me fiz a pergunta lá atrás. Estava distraído. Peço desculpa.
Changing (faixa 6) é bonita em termos melódicos e o texto é mais consistente (e John volta a solar como tão bem sabe, agora liberaram mais tempo) embora sempre tenha que incluir uma musa, (ou um muso) com ou sem shampoo, um amor, essas coisas. Talvez por isso tenha ido parar no sexto lugar na sequência; fazer pensar ou refletir um pouquinho não está nos planos dos patrões.
Rosie, faixa 10 (as anteriores não mudam nada, mais do mesmo, pulei deliberadamente) começou bem mas acabou clichezão. Talvez Otis Redding ou Al Green pudessem fazer e desse certo. Acabava o clichê. Midas. De novo um solo (curto e com wah-wah) mas de plástico, embrulhadinho para o mercado.
Depois vem Roll it on Home, um folk western, digamos. Beleza. You’re Gonna Live Forever in Me encerra os trabalhos. Começa com um assobio, de repente achei que era Sinatra nos 60s. Ou Harry Belafonte. Ou algo nos anos pré Rock ’n Roll. Camaleônico, John usa outra voz, essa nunca tinha ouvido, quase falsete. Pra pegar a mina! Ou o mino.
John Mayer é um enorme guitarrista de blues. E, digo-o com extrema sinceridade, tem todo o direito de experimentar em outras áreas, bem como conceder ao pop para ter uma carreira de alto sucesso. Afinal de contas o fim dessa história é lotar estádios, como quando você começa como office boy e almeja a presidência da empresa e, depois, a do país. Somente como guitarrista de Blues, gênero nicho, não conseguiria galgar o que galgou.
Fez o que Clapton já tinha feito no final dos 70s, começo de 80s, uma série de experiências como compositor que redundaram em pop adocicado, meloso, piegas e difícil de engolir. Cada macaco no seu galho. Poucos conseguiram esse crossover.
Tradicionalmente há uma luz no fim do túnel, sempre há, não costuma falhar: o bom filho à casa torna e um dia feitiço da encruzilhada vai trazê-lo de volta. Clapton já voltou, Stones já voltaram, Robin Trower já voltou… Mas Mayer deve ter em mente que poderá ter que vir a conviver com algumas coisas das quais não se orgulhará adiante. Se não fosse inteligente não precisaria preocupar-se, mas creio que é.
Abraço, pessoas pacientes !