NUNO MINDELIS
Volta e meia dou de falar de algo que ouvi aos 15 anos. É o caso hoje, contrariando a idéia mais habitual de me concentrar nos últimos lançamentos por aqui. Mas o meu editor (chique!) Lucas, deu-me carta branca para falar até do sexo dos anjos, se quiser. O cara de quem vou falar de anjo não tem nada, na verdade. Adiante explico. E ocorre que este album é merecedor de mais comentários que uma boa quantidade de lançamentos recentes.
Naquela altura fiquei especialmente impressionado com esse sujeito chamado Ted Nugent. Parecia, como alguns outros (poucos!) vindo de outro planeta. E olha que eu ouvia absolutamente tudo o que estava acontecendo, de Page a Blackmore, Kossof, Iommi, Trower, McLaughlin, Zappa, Santana, Winter, Gallagher, Gilmour, Barre, Hacket, Krieger, Howe, etc, etc, etc e etc, pôe TUDO nisso.
Mas lembro-me que, naquela tenra idade, já comentava com amigos como ele era um guitarrista bastante diferente no fraseado. Diferente de tudo e lembro-me bem que pelo menos um desses amigos (da mesma idade, hoje jornalista proeminente em terras africanas) concordou comigo.
Costumo dizer que os músicos de outro planeta que realmente anteciparam a guitarra, (leia-se A Guitarra, com caixa alta) que desenharam o seu futuro e a fizeram ser o que conhecemos hoje (como Jimi Hendrix, BB King e, com sorte, mais um ou dois) podem soar, para muitos, apenas normais a esta altura. Porque evidentemente a própria guitarra se moldou ao longo de décadas ao que eles inventaram (e nunca o contrário) e foi papagueada em profusão. Eles indicaram o caminho. Os mortais terraqueos, depois disso, caminharam nele. E em escala maciça. Não surpreende mais como antes. Ou pelo menos não impacta mais como impactou quando foi inventado.
Ah, mas pergunta a quem estava lá, na época da invenção! Pense em algo como a descoberta da luz elétrica, que de há muito não impressiona ninguém. Décadas e décadas, gerações e gerações se passaram depois dessa revolução que nem deram pelo que isso significa, nem se lembram do fato. Mas queria ter visto a cara do primeiro sujeito a ver a primeira lâmpada acender.
Pois foi nesse contexto de primeiras lâmpadas, digamos, que me espantei com Ted. O próprio desenho da guitarra rock como a conhecemos hoje (fraseado, riffs etc.) engatinhava e ele era um deles. E, naquele momento, um dos mais proficientes. Mais que outros muito mais famosinhos. A inovação dele não se restringiu à guitarra, teve mais. Mexe na própria história do rock, naquele capítulo que redundou mais tarde no heavy metal. É possível concluir com facilidade que Nugent foi muito precoce quando surgiu, aprontando com a sua Gibson Birdland hollow body (que virou Signature) e amps Fender.
Neste primeiro álbum é possível ouvir uma guitarra maturíssima para o tempo em que, repito, a guitarra rock e o próprio rock quase engatinhavam e (se voce prestar bem atenção às entrelinhas) um certo flerte jazzístico acontece. Basta ouvir a bateria na introdução de You Make Me Feel Like at Home e outras passagens e fraseados de Ted aqui e ali. E provavelmente foi esse flerte (com escalas mais do que somente com bends) que me soou novo e diferente de tudo, naquele remoto 1975.
As faixas 10, 11 e 12 deste album, Stormtroopin’, Just What The Doctor Ordered (caraca! ouça o grito no finzinho da música) e Motor City Madhouse, respectivamente, são bônus de um ao vivo no Hammersmith Odeon em Londres, em 1979. O que fazem no disco de 1975 só perguntando ao Spotify que não dá dados técnicos. A energia liberada nelas pode colocar um foguete em órbita, como o Space X de Elon Musk.
Confira este disco e me conte se experimentação e heavy metal não estão todos nele… antes dele. Vá por partes, se precisar, porque é pimenta com alcaparra e azeitona salgada, pode ser forte demais tudo de uma vez. Mas tem platitudes também, como Magic Party (faixa 13).
Lá em cima disse que Nugent não é santo e prometi explicar. Bom, é um defensor radical de porte de arma, de caça aos animais sejam quais forem, de atirar primeiro e perguntar depois, membro ilustre da diretoria da NRA (National Riffle Association) bancada da bala renhido, etc, etc. Melhor pensar nele só como artista, músico, grande guitarrista. E, ironicamente, à frente do tempo, artisticamente, naquela época. Politica e socialmente, na idade da pedra depois disso.